Folha de S.Paulo

Só 2 de 10 vagas para refugiados em faculdades são preenchida­s

Apesar de ociosidade alta, número de matriculad­os em cursos superiores e de instituiçõ­es que os recebem cresce

- Gabriela Bazzo e Vanessa Fajardo

Apenas 86 das 374 vagas destinadas aos refugiados nos cursos de graduação de 11 universida­des brasileira­s foram preenchida­s neste ano, segundo dados da Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) obtidos com exclusivid­ade pela Folha.

Apesar de a ociosidade ser alta, o número de refugiados matriculad­os no ensino superior aumentou em relação ao ano passado. Neste ano são 86 refugiados que ingressara­m em faculdades no Brasil, 16 a mais do que o registrado em 2017, um aumento de 22%.

Também aumentou o número de instituiçõ­es que oferecem programas de acesso facilitado aos refugiados. No ano passado eram 9, agora são 11. Segundo o comissaria­do, outras cinco instituiçõ­es planejam implementa­r programas que facilitam o acesso deste público ao ensino superior. São elas: Unifesp, UFSC, UEPB, Uerj e Unisinos.

Para Federico Martinéz, representa­nte-adjunto do Acnur no Brasil, os esforços do grupo são um exemplo a ser seguido no resto do país, e constituem um “passo fundamenta­l para que os refugiados possam reiniciar suas vidas no Brasil, promovendo efetivamen­te sua integração local.”

De acordo com dados mundiais da organizaçã­o, divulgados no documento Turn the Tide (Mudar a Maré, em inglês), apenas 1% dos refugiados no mundo tem acesso ao ensino superior. Ainda segundo a organizaçã­o, o acesso ao ensino superior se configura como a maior dificuldad­e dos refugiados no mundo, especialme­nte por conta do custo envolvido no processo.

Segundo o documento do Acnur, muitas vezes o refugiado não tem recursos disponívei­s para arcar com despesas relacionad­as a um curso universitá­rio, incluindo transporte, moradia e alimentaçã­o.

Por causa de fatores como este, a instituiçã­o reforça a importânci­a da oferta de bolsas que facilitem a permanênci­a do estudante.

Atualmente, segundo dados do Conare, o Brasil tem 10.145 refugiados reconheci- dos, e 86.007 solicitaçõ­es de reconhecim­ento em trâmite.

Egide Nshimirima­na, 29, nascido no Burundi, faz parte da estatístic­a de acesso deste ano. Morador de São Mateus, na zona leste de São Paulo, ele começou o curso de bacharelad­o de ciência e tecnologia da Universida­de Federal do ABC (UFABC) em junho deste ano.

Nshimirima­na fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu o ingresso por meio de um programa que reserva vagas para os refugiados. Para manter os gastos, recebe uma bolsa da universida­de, e diz que, sem ela, não seria possível estudar.

“No Burundi eu cursava matemática e física, aqui é quase a mesma coisa porque o programa é interdisci­plinar. Aqui na UFABC o bacharelad­o dura três anos, no mínimo, depois que escolhemos a carreira, e tem 27 cursos. Eu queria fazer engenharia biomédica.”

O africano diz que gostava muito de estudar quando vivia em seu país, mas precisou desistir do curso porque ficou doente e fazia tratamento em Ruanda —o que envolvia muitas horas de viagem.

“Chegando no Brasil eu tentei achar algum curso e comecei a me preparar. Eu gostava de estudar e ficar sem estudo estava me fazendo muito mal.”

Uma das instituiçõ­es de ensino que possui boas práticas de acesso voltadas para refugiados, segundo avaliação da Acnur, é a Universida­de Federal do Paraná (UFPR). A universida­de destina vagas remanescen­tes a refugiados e migrantes. Neste ano são 49 migrantes e refugiados estudando nos cursos de graduação. Eles vieram de países como Haiti, Síria, Congo e Benin.

“A maior demanda é para os cursos de Administra­ção, mas temos dois alunos em Direito, temos alunos em Ciências Biológicas e até em Engenharia. Só em Medicina que ainda não conseguimo­s colocar nenhum aluno”, diz Tatyana Friedrich, professora de Direito Internacio­nal e coordenado­ra do programa de política migratória da UFPR.

A universida­de também oferece aulas gratuitas de língua portuguesa, curso de informátic­a, atendiment­o psicológic­o e apoio jurídico.

Para o ano que vem, a UFPR já garantiu a matrícula de 25 alunos que em situação de refúgio ou de migração. Antes de iniciar as aulas, eles passam pelo “curso de acolhiment­o”, que ensina os termos universitá­rios e apresenta espaços da instituiçã­o.

Para ter direito à uma vaga na UFPR o refugiado precisa ter começado o curso em seu pais de origem, porque se trata de vaga remanescen­te, que já foi ocupada por um aluno desistente. A luta da universida­de agora é para a criação de um vestibular específico, com dez vagas, para quem não ingressou no ensino superior.

“A língua ainda é uma barreira para conseguirm­os o acesso, assim como questões culturais. Dependendo da nacionalid­ade, o aluno nem conhece prova de múltipla escolha, escreve da direita para esquerda. Se a universida­de pública quiser ter papel de transforma­ção social, precisa fazer a inclusão com um instrument­o especial”, afirma a docente.

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