Só 2 de 10 vagas para refugiados em faculdades são preenchidas
Apesar de ociosidade alta, número de matriculados em cursos superiores e de instituições que os recebem cresce
Apenas 86 das 374 vagas destinadas aos refugiados nos cursos de graduação de 11 universidades brasileiras foram preenchidas neste ano, segundo dados da Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) obtidos com exclusividade pela Folha.
Apesar de a ociosidade ser alta, o número de refugiados matriculados no ensino superior aumentou em relação ao ano passado. Neste ano são 86 refugiados que ingressaram em faculdades no Brasil, 16 a mais do que o registrado em 2017, um aumento de 22%.
Também aumentou o número de instituições que oferecem programas de acesso facilitado aos refugiados. No ano passado eram 9, agora são 11. Segundo o comissariado, outras cinco instituições planejam implementar programas que facilitam o acesso deste público ao ensino superior. São elas: Unifesp, UFSC, UEPB, Uerj e Unisinos.
Para Federico Martinéz, representante-adjunto do Acnur no Brasil, os esforços do grupo são um exemplo a ser seguido no resto do país, e constituem um “passo fundamental para que os refugiados possam reiniciar suas vidas no Brasil, promovendo efetivamente sua integração local.”
De acordo com dados mundiais da organização, divulgados no documento Turn the Tide (Mudar a Maré, em inglês), apenas 1% dos refugiados no mundo tem acesso ao ensino superior. Ainda segundo a organização, o acesso ao ensino superior se configura como a maior dificuldade dos refugiados no mundo, especialmente por conta do custo envolvido no processo.
Segundo o documento do Acnur, muitas vezes o refugiado não tem recursos disponíveis para arcar com despesas relacionadas a um curso universitário, incluindo transporte, moradia e alimentação.
Por causa de fatores como este, a instituição reforça a importância da oferta de bolsas que facilitem a permanência do estudante.
Atualmente, segundo dados do Conare, o Brasil tem 10.145 refugiados reconheci- dos, e 86.007 solicitações de reconhecimento em trâmite.
Egide Nshimirimana, 29, nascido no Burundi, faz parte da estatística de acesso deste ano. Morador de São Mateus, na zona leste de São Paulo, ele começou o curso de bacharelado de ciência e tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC) em junho deste ano.
Nshimirimana fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu o ingresso por meio de um programa que reserva vagas para os refugiados. Para manter os gastos, recebe uma bolsa da universidade, e diz que, sem ela, não seria possível estudar.
“No Burundi eu cursava matemática e física, aqui é quase a mesma coisa porque o programa é interdisciplinar. Aqui na UFABC o bacharelado dura três anos, no mínimo, depois que escolhemos a carreira, e tem 27 cursos. Eu queria fazer engenharia biomédica.”
O africano diz que gostava muito de estudar quando vivia em seu país, mas precisou desistir do curso porque ficou doente e fazia tratamento em Ruanda —o que envolvia muitas horas de viagem.
“Chegando no Brasil eu tentei achar algum curso e comecei a me preparar. Eu gostava de estudar e ficar sem estudo estava me fazendo muito mal.”
Uma das instituições de ensino que possui boas práticas de acesso voltadas para refugiados, segundo avaliação da Acnur, é a Universidade Federal do Paraná (UFPR). A universidade destina vagas remanescentes a refugiados e migrantes. Neste ano são 49 migrantes e refugiados estudando nos cursos de graduação. Eles vieram de países como Haiti, Síria, Congo e Benin.
“A maior demanda é para os cursos de Administração, mas temos dois alunos em Direito, temos alunos em Ciências Biológicas e até em Engenharia. Só em Medicina que ainda não conseguimos colocar nenhum aluno”, diz Tatyana Friedrich, professora de Direito Internacional e coordenadora do programa de política migratória da UFPR.
A universidade também oferece aulas gratuitas de língua portuguesa, curso de informática, atendimento psicológico e apoio jurídico.
Para o ano que vem, a UFPR já garantiu a matrícula de 25 alunos que em situação de refúgio ou de migração. Antes de iniciar as aulas, eles passam pelo “curso de acolhimento”, que ensina os termos universitários e apresenta espaços da instituição.
Para ter direito à uma vaga na UFPR o refugiado precisa ter começado o curso em seu pais de origem, porque se trata de vaga remanescente, que já foi ocupada por um aluno desistente. A luta da universidade agora é para a criação de um vestibular específico, com dez vagas, para quem não ingressou no ensino superior.
“A língua ainda é uma barreira para conseguirmos o acesso, assim como questões culturais. Dependendo da nacionalidade, o aluno nem conhece prova de múltipla escolha, escreve da direita para esquerda. Se a universidade pública quiser ter papel de transformação social, precisa fazer a inclusão com um instrumento especial”, afirma a docente.