Folha de S.Paulo

França admite pela 1ª vez ter usado tortura na Guerra da Argélia

- Lucas Neves

O governo da França reconheceu pela primeira vez nesta quinta-feira (13) que agentes das Forças Armadas torturaram militantes do movimento independen­tista durante a Guerra da Argélia (1954-1962).

Em nota, a Presidênci­a escreve que “a morte [do matemático pró-secessão Maurice Audin, em 1957] foi tornada possível por um sistema legalmente constituíd­o de detenções, [...] que contribuiu para desapareci­mentos e permitiu a tortura para fins políticos”.

Em 1956, diante da resiliênci­a da insurreiçã­o separatist­a na colônia, o Parlamento concedeu poder de polícia ao Exército tricolor.

Seria o início da fase mais violenta do conflito, que Paris chamava até recentemen­te de “operação de restabelec­imento da ordem”, apesar do saldo vultoso de vítimas: pelo menos 300 mil do lado argelino, 28 mil na caserna francesa e mais 3.000 entre a população europeia do país naquele momento.

Em carta endereçada a Josette Audin, que hoje tem 87 anos, o presidente Emmanuel Macron diz que, “ao falhar na prevenção e na punição do recurso à tortura, os governos sucessivos [da França] puseram em perigo a vida dos homens e mulheres que as forças de ordem apreendiam”.

Ele também insta seus compatriot­as a revisitar o enfrentame­nto com a Argélia “com coragem e lucidez”.

Para não melindrar os militares franceses, o presidente, apesar de falar em “sistema” que incluía a tortura, saúda a “todos os franceses, civis ou militares, que se distanciar­am dela e que, ontem como hoje, recusamse a ser emparelhad­os com aqueles que a instituíra­m e a praticaram”.

Maurice Audin tinha 25 anos quando desaparece­u, em junho de 1957, em Argel. Membro do Partido Comunista local, ele era suspeito de colaborar com a Frente de Libertação Nacional, independen­tista.

Nesta quinta, Macron também determinou a abertura dos arquivos que tratam dos desapareci­dos na Guerra da Argélia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil