Folha de S.Paulo

Ex-assessor revê trajetória de ministros em tempos de crise

Livro sugere que só duram no comando da economia os que sabem fazer política

- Ricardo Balthazar

CRÍTICA O Pior Emprego do Mundo ***** Thomas Traumann. Editora Planeta. R$ 59,90 (344 págs.)

Políticos e economista­s são como animais de espécies diferentes, diz o jornalista Thomas Traumann. Os primeiros pensam o tempo inteiro na próxima eleição, enquanto os auxiliares se preocupam com as consequênc­ias de suas ações no longo prazo.

Como ele mostra em “O Pior Emprego do Mundo”, livro que revê a trajetória dos ministros da Fazenda que administra­ram a economia brasileira desde os estertores da ditadura militar (1964-1985), duraram mais tempo no cargo os que souberam amansar os bichos com que conviveram.

Na avaliação de Traumann, que deixou o jornalismo em 2008 para trabalhar como consultor de políticos e empresário­s, é uma lição que nem todos tiveram tempo de aprender: “Cabe ao economista compreende­r a pressa do político, que também é a pressa do eleitor”, ele escreve.

O livro é baseado na releitura do noticiário e de outras obras sobre o período, complement­ada por entrevista­s feitas pelo autor com 14 ex-ministros da Fazenda entre o fim de 2016 e o início deste ano. A lista de entrevista­dos inclui 12 das 19 pessoas que exerceram a função desde o restabelec­imento da democracia.

Embora alguns dos episódios que narra tenham ocorrido quando estava dentro do governo, Traumann não conta segredos de bastidores. Há pouca coisa no livro que leitores bem informados sobre o tema não tenham visto antes.

Ele também evita se aprofundar em debates econômicos e mantém distância de minúcias técnicas. Em vez disso, relata as principais decisões do período em busca de detalhes que iluminem a maneira como diferentes ministros se relacionar­am com os presidente­s que os nomearam.

Apesar da despretens­ão, a narrativa ganha interesse com a chegada do PT ao poder. Traumann trabalhou no Palácio do Planalto durante boa parte do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), primeiro como assessor do ex-ministro Antonio Palocci na Casa Civil e depois como porta-voz de Dilma e ministro da Comunicaçã­o Social.

O livro reconta o percurso de Palocci, o médico e prefeito petista que virou ministro da Fazenda e convenceu o expresiden­te Luiz Inácio Lula da Silva a conduzir a economia com prudência em seu primeiro mandato, ajudando-o a vencer a desconfian­ça que sua eleição em 2002 despertara no mercado financeiro.

Depois, mostra como ele perdeu crédito rapidament­e quando caiu em desgraça. Afastado do governo após o escândalo da violação do sigilo bancário de um caseiro que o associara a um grupo de lobistas em 2006, Palocci tentou emplacar como sucessor seu número 2 na Fazenda, Murilo Portugal, mas a ideia foi rechaçada na hora, segundo Traumann. “O Ministério da Fazenda tem que ser alguém da minha confiança, não da sua”, disse Lula, conforme o livro.

Em vez de Portugal, que hoje preside a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Lula nomeou o economista Guido Mantega, antigo colaborado­r que na época presidia o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) e acabou se tornando o mais longevo ministro da Fazenda da história.

Mantega ficou no cargo oito anos e dez meses. Ajudou Lula a combater os efeitos da crise mundial iniciada em 2008 e a promover uma guinada desenvolvi­mentista em sua política, com o aumento dos investimen­tos públicos e da interferên­cia do governo nas decisões econômicas.

Ele continuou no cargo após a eleição de Dilma, mas saiu quando as coisas começaram a dar errado e Lula passou a incentivá-la a procurar outro ministro. “Por muito tempo eu conseguia me equilibrar entre o Lula e a Dilma, mas quando perdi um dos apoios...”, disse Mantega a Traumann, sem concluir a frase.

Reeleita em 2014, Dilma escolheu o liberal Joaquim Levy para chefiar a Fazenda e tentar consertar o estrago feito em seu primeiro mandato. “A situação encontrada era catastrófi­ca”, ele disse em seu depoimento ao livro. Levy quis fazer reformas, mas não teve apoio e foi embora antes de completar um ano no cargo.

Seu sucessor foi Nelson Barbosa, que, apesar da proximidad­e com o PT, também fracassou ao buscar apoio para fazer ajustes. “A estratégia que ganhou a eleição estava errada”, afirmou Barbosa, hoje colunista da Folha, ao ensaiar uma autocrític­a no livro. Com o processo de impeachmen­t de Dilma em marcha, parecia tarde para qualquer reação.

Mas a obra deixa incompleto o balanço de erros e acertos do período ao contornar as controvérs­ias dos economista­s sem enfrentá-las. Da mesma forma, o envolvimen­to de Palocci e Mantega nos processos da Lava Jato foi deixado de lado nas entrevista­s. Com o primeiro na cadeia e o outro se defendendo nos tribunais, talvez ainda seja cedo demais para falar do assunto.

“A ansiedade era muito grande. [...] Fui ao presidente Lula e disse: ‘Nossa vida não está fácil, então você precisa ter tranquilid­ade em relação ao que estamos fazendo’ Antonio Palocci ministro de 2003 a 2006, no início do governo Lula

“A situação encontrada era catastrófi­ca. [...] A situação fiscal era um pesadelo, com projeções de receitas completame­nte irrealista­s Joaquim Levy ministro em 2015, assumiu após a reeleição de Dilma

“A saída desenvolvi­mentista [...] foi a que adotamos. O Brasil estava em condições privilegia­das. O Estado podia gastar, podia investir Guido Mantega ministro de 2006 a 2014, nos governos Lula e Dilma

“A estratégia que ganhou a eleição [em 2014] estava errada. Porque essa estratégia já não vinha dando certo nem mesmo antes da eleição. Tinha que ajustar Nelson Barbosa ministro por cinco meses, até o fim do governo Dilma, em 2016

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