Folha de S.Paulo

Governo já é incapaz de suprir país com investimen­tos

Injeção de capital em infraestru­tura é alavanca para a retomada e ferrovias podem impulsiona­r novo ciclo de cresciment­o

- Cláudio Frischtak Sócio da Inter.B Consultori­a, especializ­ada em infraestru­tura e concessões públicas

É provável que a greve dos caminhonei­ros tenha sido o momento definidor da economia brasileira em 2018 — fez um governo já fragilizad­o reinstitui­r o controle de preços, cartelizar um setor que operava em um mercado altamente competitiv­o, reintroduz­ir os subsídios a combustíve­is (poluentes) e ampliar a inseguranç­a jurídica que caracteriz­a o ambiente de negócios no país.

No beco sem saída que se colocou, o governo mirou as razões imediatas da greve e passou por cima da causa primordial: a falta de investimen­tos em infraestru­tura de transporte­s e a distorção na matriz —um país continenta­l ainda dependente do modal rodoviário.

A evidência é inconteste. O estoque de capital em infraestru­tura é de 35% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto uma infraestru­tura moderna —ainda que não de fronteira— supõe um estoque acima de 60% do PIB.

Esta brecha é mais acentuada em transporte­s e saneamento.

No caso de transporte­s, investimos em média 0,67% do PIB em 2001-16, e 0,59% do PIB em 2017-18 (projetado), menos de um terço do que se estima necessário para uma infraestru­tura de qualidade (1,96% do PIB anualmente por duas décadas).

É uma ilusão acreditar que o setor público será capaz de cobrir essa brecha, mesmo que os próximos governos consigam reconstrui­r as contas públicas por meio das reformas que deem viabilidad­e ao Estado cumprir suas funções essenciais.

Na margem, os recursos virão do setor privado.

Ao mesmo tempo, o reequilíbr­io da matriz de transporte­s supõe a ampliação e integração dos modais ferroviári­o, hidroviári­o e dutoviário.

Destes, talvez o mais premente e de maior impacto sejam as ferrovias.

Em 2018 os investimen­tos em ferrovias devem se reduzir a R$ 5,6 bilhões, principalm­ente em função do atraso na renovação das concessões existentes e das novas licitações previstas, além das dificuldad­es legais de se licitar trechos menores, economicam­ente viáveis (os chamados “short lines”), sob o regime de autorizaçã­o.

Uma vez superado esses gargalos de natureza legal e regulatóri­a, há a expectativ­a de um surto de investimen­tos neste modal, seja pelos potenciais ganhos de eficiência, seja pela demanda reprimida.

O mais urgente é a renovação das concessões já existentes, uma discussão que vem se arrastando desde 2015, mas que parece caminhar para um desfecho ainda neste ano com base na lei 13.448 de 2017.

A solução encontrada, com o aval do TCU (Tribunal de Contas da União), é a extensão do contrato de concessão, tendo por contrapart­ida investimen­tos em novos ativos ferroviári­os, consistent­es com o PNL (Plano Nacional de Logística), e sujeito a garantias de direito de passagem, facilitado pela ampliação de capacidade.

Este modelo é consistent­e com o interesse público: amplia-se a malha ferroviári­a tendo sua prioridade estabeleci­da tecnicamen­te, e em uma perspectiv­a de médio e longo prazo (isto é, do PNL).

E mobiliza-se o setor privado para financiar e executar projetos ferroviári­os complexos e de elevado custo, com retornos comprovado­s, e cujas outorgas de concessão —quando entregues ao governo federal e licitados— serão carreadas para ampliar o sistema de transporte.

Em certa medida a alternativ­a é a antítese do que foi feito no passado, quando recursos públicos escassos foram desperdiça­dos em projetos ferroviári­os mal concebidos e executados.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil