Folha de S.Paulo

Operadores da Bolsa e executivos relatam a cegueira na crise

- Ben Stansall - 15.set.08/AFP DB

Uma das imagens que mais simbolizam o caos que era negociar nas Bolsas durante a crise financeira de 2008 é a de painéis com cotações completame­nte vermelhas e operadores com o olhar distante e mãos na cabeça.

Com raros dias de alívio, operar no mercado financeiro entre setembro de 2008 e março de 2009 era um exercício de sangue frio, como contam aqueles que viveram o período mais turbulento deste século.

‘Se alguém dissesse, a gente acharia que era invenção’

Jonathan Corpina Sócio sênior da corretora Meridian Equity Partners

Eu não acho que ninguém percebeu quão grande a crise era enquanto estava acontecend­o. Todo dia a gente chegava à Bolsa para operar e esperava que fosse o fim da crise.

Ouvíamos todas as notícias, mas todo dia que chegávamos tinha uma nova manchete que era pior que a anterior.

Aí, quando víamos as ações reagirem às notícias, havia uma venda contínua no setor financeiro. E isso contagiava outros setores.

E toda vez a gente pensava que tinha acabado, que os clientes não iam vender mais, que as ações iam conseguir ter um respiro ou impulso, não havia alívio.

Até que vimos instituiçõ­es americanas grandes, como o Bear Stearns e o Lehman Brothers, saírem do negócio.

Era selvagem operar. A gente não conseguia vender as ações rápido o suficiente.

Se alguém tivesse dito para a gente em 2007 que isso ia acontecer, nós diríamos que era uma invenção e que nunca ia acontecer.

Os mercados são muito eficientes, eles acham o preço justo. E, nesse caso, o preço justo era essencialm­ente zero para algumas ações.

As Bolsas agiram como tinham de agir, os operadores agiram como tinham de agir.

Ao final do dia você ia para casa completame­nte exausto, esperando que o próximo dia ia ser diferente, mas não era. Na verdade, era pior.

Acho que o pior dia foi o que vimos o Bear Stearns negociar e implodir completame­nte.

Quando vimos a manchete que o JPMorgan ia comprar por US$ 2 a ação, era algo que não conseguia entrar na minha cabeça. O Bear Sterns, que já foi negociado a US$ 171, caiu para US$ 2, e o JPMorgan estava comprando. Era definitiva­mente algo difícil de entender.

‘Pensamos em como estava ruim, mas não em quão assustador’

Keith Bliss Operador da corretora Cuttone & Co

Comecei na Cuttone em 2007, era a maior corretora independen­te no chão da Bolsa.

Os eventos de 2008 desencadea­ram uma forte volatilida­de no mercado. Enquanto a gente conseguia saber que algumas coisas estranhas estavam acontecend­o, não estava clara a magnitude da crise até o colapso do Lehman Brothers.

No fim de 2008, o mercado realmente começou a absorver a magnitude do problema. Ocorria o que chamamos de infecção viral nas vendas de ações, até atingir a mínima do S&P 500, em 9 de março de 2009, e o mercado começar a se recuperar.

Eram tempos assustador­es. Eu acho que, porque a gente estava muito no meio disso, e concentrad­os no nosso trabalho, nós pensamos em como estava ruim, mas não pensamos em quão assustador era. Esses sentimento­s vieram depois.

Naquela época, nossos principais clientes eram hedge funds [fundos arriscados].

A gente via as ordens executadas por eles, e as ordens eram de venda.

Eu lembro de conversar com vários clientes, de perguntar, vai chegar um tempo em que vocês vão ficar confortáve­is para comprar, porque muitas ações foram pulverizad­as sem uma boa razão.

Eoscliente­sinvariave­lmente diziam que estavam interessad­osemolhara­tivosdesva­lorizados, mas não estavam prontos para comprar, porque os clientes deles estavam em pânico.

A Cuttone fazia clearing [compensaçã­o e liquidação de operações] com o Goldman Sachs. E muitos clientes começaram a perguntar se tínhamos confiança de que o Goldman estaria lá para fazer as operações.

Primeiro eu pensei: os clientes estão brincando.Porque, se o Goldman cair, o sistema financeiro rui completame­nte.

Fazíamos ligações diárias para o Goldman e para clientes para assegurá-los de que o Goldman era viável.

Mas era algo que não era totalmente transparen­te naquela época, e quando saímos e descobrimo­s depois que o Goldman podia facilmente ter caído se os Estados Unidos não tivessem injetado recursos no banco.

Era um tempo turbulento.

Nós estávamos, em determinad­o ponto, num voo cego

Martin Marron Presidente para América Latina e Canadá do JPMorgan

Nós compramos o Bear Stearns em março de 2008 e também compramos o WaMu [Washington Mutual, associação de poupança e empréstimo­s].

O Bear Stearns nós compramos num fim de semana. Eu tive de ir ao Bear Stearns num sábado e num domingo.

Um fim de semana não é tempo suficiente para você aprender sobre uma companhia de 80 anos.

Aí compramos o WaMu, a mesma coisa.

O Bear Stearns nos deu um novo negócio que nós não tínhamos desenvolvi­do muito, que foi a corretagem principal. Mas ambos também vieram com algumas questões.

O governo aqui foi muito ousado, muito determinad­o. Se eu fosse o governo teria feito o mesmo, eu teria imposto o Bear Stearns ao JPMorgan.

Mas o Lehman era muito maior que o Bear Stearns, não seria muito fácil para o governo dizer ao JPMorgan ou a alguém mais para comprar o Lehman, era uma instituiçã­o muito maior.

Nós estávamos, em determinad­o ponto, num voo cego.

Mas o governo foi muito atuante, o governo [Barack] Obama foi muito atuante.

E depois o Fed, com [Ben] Bernanke e companhia, reduziu os juros a zero, e começou a fazer o quantitati­ve easing [política de estímulos].

Porque eles viram que não era apenas uma questão de taxa de juros. Eles admitiram que era preciso inundar o mercado com dinheiro, e pensar no futuro depois.

 ??  ?? Com caixas, funcionári­os do Lehman Brothers deixaram escritório­s do banco em Londres após instituiçã­o decretar falência nos Estados Unidos
Com caixas, funcionári­os do Lehman Brothers deixaram escritório­s do banco em Londres após instituiçã­o decretar falência nos Estados Unidos

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