Operadores da Bolsa e executivos relatam a cegueira na crise
Uma das imagens que mais simbolizam o caos que era negociar nas Bolsas durante a crise financeira de 2008 é a de painéis com cotações completamente vermelhas e operadores com o olhar distante e mãos na cabeça.
Com raros dias de alívio, operar no mercado financeiro entre setembro de 2008 e março de 2009 era um exercício de sangue frio, como contam aqueles que viveram o período mais turbulento deste século.
‘Se alguém dissesse, a gente acharia que era invenção’
Jonathan Corpina Sócio sênior da corretora Meridian Equity Partners
Eu não acho que ninguém percebeu quão grande a crise era enquanto estava acontecendo. Todo dia a gente chegava à Bolsa para operar e esperava que fosse o fim da crise.
Ouvíamos todas as notícias, mas todo dia que chegávamos tinha uma nova manchete que era pior que a anterior.
Aí, quando víamos as ações reagirem às notícias, havia uma venda contínua no setor financeiro. E isso contagiava outros setores.
E toda vez a gente pensava que tinha acabado, que os clientes não iam vender mais, que as ações iam conseguir ter um respiro ou impulso, não havia alívio.
Até que vimos instituições americanas grandes, como o Bear Stearns e o Lehman Brothers, saírem do negócio.
Era selvagem operar. A gente não conseguia vender as ações rápido o suficiente.
Se alguém tivesse dito para a gente em 2007 que isso ia acontecer, nós diríamos que era uma invenção e que nunca ia acontecer.
Os mercados são muito eficientes, eles acham o preço justo. E, nesse caso, o preço justo era essencialmente zero para algumas ações.
As Bolsas agiram como tinham de agir, os operadores agiram como tinham de agir.
Ao final do dia você ia para casa completamente exausto, esperando que o próximo dia ia ser diferente, mas não era. Na verdade, era pior.
Acho que o pior dia foi o que vimos o Bear Stearns negociar e implodir completamente.
Quando vimos a manchete que o JPMorgan ia comprar por US$ 2 a ação, era algo que não conseguia entrar na minha cabeça. O Bear Sterns, que já foi negociado a US$ 171, caiu para US$ 2, e o JPMorgan estava comprando. Era definitivamente algo difícil de entender.
‘Pensamos em como estava ruim, mas não em quão assustador’
Keith Bliss Operador da corretora Cuttone & Co
Comecei na Cuttone em 2007, era a maior corretora independente no chão da Bolsa.
Os eventos de 2008 desencadearam uma forte volatilidade no mercado. Enquanto a gente conseguia saber que algumas coisas estranhas estavam acontecendo, não estava clara a magnitude da crise até o colapso do Lehman Brothers.
No fim de 2008, o mercado realmente começou a absorver a magnitude do problema. Ocorria o que chamamos de infecção viral nas vendas de ações, até atingir a mínima do S&P 500, em 9 de março de 2009, e o mercado começar a se recuperar.
Eram tempos assustadores. Eu acho que, porque a gente estava muito no meio disso, e concentrados no nosso trabalho, nós pensamos em como estava ruim, mas não pensamos em quão assustador era. Esses sentimentos vieram depois.
Naquela época, nossos principais clientes eram hedge funds [fundos arriscados].
A gente via as ordens executadas por eles, e as ordens eram de venda.
Eu lembro de conversar com vários clientes, de perguntar, vai chegar um tempo em que vocês vão ficar confortáveis para comprar, porque muitas ações foram pulverizadas sem uma boa razão.
Eosclientesinvariavelmente diziam que estavam interessadosemolharativosdesvalorizados, mas não estavam prontos para comprar, porque os clientes deles estavam em pânico.
A Cuttone fazia clearing [compensação e liquidação de operações] com o Goldman Sachs. E muitos clientes começaram a perguntar se tínhamos confiança de que o Goldman estaria lá para fazer as operações.
Primeiro eu pensei: os clientes estão brincando.Porque, se o Goldman cair, o sistema financeiro rui completamente.
Fazíamos ligações diárias para o Goldman e para clientes para assegurá-los de que o Goldman era viável.
Mas era algo que não era totalmente transparente naquela época, e quando saímos e descobrimos depois que o Goldman podia facilmente ter caído se os Estados Unidos não tivessem injetado recursos no banco.
Era um tempo turbulento.
Nós estávamos, em determinado ponto, num voo cego
Martin Marron Presidente para América Latina e Canadá do JPMorgan
Nós compramos o Bear Stearns em março de 2008 e também compramos o WaMu [Washington Mutual, associação de poupança e empréstimos].
O Bear Stearns nós compramos num fim de semana. Eu tive de ir ao Bear Stearns num sábado e num domingo.
Um fim de semana não é tempo suficiente para você aprender sobre uma companhia de 80 anos.
Aí compramos o WaMu, a mesma coisa.
O Bear Stearns nos deu um novo negócio que nós não tínhamos desenvolvido muito, que foi a corretagem principal. Mas ambos também vieram com algumas questões.
O governo aqui foi muito ousado, muito determinado. Se eu fosse o governo teria feito o mesmo, eu teria imposto o Bear Stearns ao JPMorgan.
Mas o Lehman era muito maior que o Bear Stearns, não seria muito fácil para o governo dizer ao JPMorgan ou a alguém mais para comprar o Lehman, era uma instituição muito maior.
Nós estávamos, em determinado ponto, num voo cego.
Mas o governo foi muito atuante, o governo [Barack] Obama foi muito atuante.
E depois o Fed, com [Ben] Bernanke e companhia, reduziu os juros a zero, e começou a fazer o quantitative easing [política de estímulos].
Porque eles viram que não era apenas uma questão de taxa de juros. Eles admitiram que era preciso inundar o mercado com dinheiro, e pensar no futuro depois.