Setor da moda investe para dar transparência à produção
Tecnologia para indústria justa e sustentável foi tema de ‘Diálogos Transformadores’
Aplicativos para rastrear dados, etiquetas que revelam o histórico da roupa, novas tecnologias costuradas por uma inteligência coletiva.
Propostas como essas, para tornar a indústria da moda mais transparente, foram discutidas na décima edição do “Diálogos Transformadores Transparência: Um Valor para a Moda e para o Mundo”.
O evento realizado pela Folha, com o apoio do Instituto C&A, no início do mês reuniu especialistas e empreendedores em torno do tema.
“Compreender os pontos fracos e fortes dessa cadeia tão complexa, que passa por mais de cem processos, pode auxiliar na criação de caminhos e políticas públicas para levar transparência ao setor”, disse a Eloisa Artuso, diretora Educacional do Fashion Revolution, responsável pelo primeiro Índice de Transparência na Moda no Brasil, a ser lançado em outubro.
O estudo foi ponto de partida para discutir a importância de abrir as informações de uma indústria com desafios de visibilidade.
Marcel Gomes, secretárioexecutivo da ONG Repórter Brasil, disse acreditar que, nesse cenário, a transparência é peça-chave. “A partir desse diálogo, abrem-se visões e iniciativas que permitem vislumbrar um panorama mais amplo e buscar soluções em conjunto.”
Para estimular a transparência, na sua visão, é preciso fiscalização. Um exemplo de tecnologia que contribui para isso é o aplicativo Moda Livre, criado em 2013 pela ONG, que reúne dados da cadeia produtiva.
“É um aplicativo que serve como bússola para o consumidor, mirando a reputação das empresas e gerando pressão positiva”, explicou.
Leonardo Marques, professor de sustentabilidade da UFRJ, destacou o blockchain, tecnologia que cria uma base de dados compartilhados e pode ser usada para formar um índice global das transações no mercado da moda.
“O blockchain promove confidencialidade e confiabilidade das informações. A ideia é escanear a etiqueta e ter todo o histórico da roupa.”
Oded Grajew, presidente do conselho deliberativo da Oxfam Brasil, chamou a atenção para o diagnóstico como caminho para a cura da doença.
Os números da indústria são sintomáticos: 1,2 milhão trabalhando na ilegalidade, que representam 46% do total da mão de obra, segundo dados de Dieese, Ipea e IBGE.
O setor emprega 1,8 milhão de mulheres, e há 114 mil crianças trabalhando em confecções no ambiente familiar.
“A costureira é impactada pela violação dos direitos, pois boa parte é feita à margem da legislação. O setor de vestuário contabiliza o maior número de casos de trabalho escravo em área urbana e ausência de transparência em diversos elos da cadeia”, afirmou.
“Apesar dos esforços, a questão ainda não foi resolvida e temos um grande contingente em condições análogas à escravidão. Nosso ovo da serpente são as desigualdades.”
Para Eloisa, a discussão, uma vez colocada, não há como voltar atrás. “A transparência é um caminho sem volta. Uma tendência global que começa a encontrar espaço aqui”, afirmou. “Muitas marcas usam sustentabilidade co- mo marketing, mas é preciso que a informação seja crível.”
Em contraponto ao cenário, Pedro Ruffier trouxe sua história à frente da Movin, marca de roupas que propõe soluções para incentivar o comércio justo e sustentável.
“No site, disponibilizamos aos fornecedores quanto ganham as costureiras. Muitas empresas ainda se valem de auditorias privadas. É preciso abrir os dados na totalidade.”
O fundador da Agenda Pública, Sérgio Andrade, reforçou que os pontos sensíveis da cadeia da moda estão dentro dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). “Essa agenda nos traz um convite interessante para pensar novas formas de resolver problemas.”