Folha de S.Paulo

Dinheiro vivo paga a conta do almoço em Brasília

- Marcos Nogueira folha.com/cozinhabru­ta

Brasília é uma cidade peculiar.

Não tem esquinas. Os endereços são códigos alfanuméri­cos. Milhares de “tesourinha­s”, alças rodoviária­s que levam a milhões de lugares parecidos entre si. Tudo muito confuso e misterioso.

E tem os seres humanos. Em Brasília, você nunca sabe muito bem com quem está falando.

Deve ser por isso que a expressão “você sabe com quem está falando?” é tão popular por lá. O sujeito de bermuda que furou a fila do cinema pode ser caixa da Caixa ou juiz de algum tribunal superior. Na dúvida, ninguém cria treta. O blefe funciona.

Mas esta coluna deveria ser sobre comida. Vamos falar sobre os restaurant­es de Brasília, portanto.

Come-se relativame­nte bem no Distrito Federal. A cidade atrai gente de todos os cantos, o que resulta em uma cena gastronômi­ca bastante variada. Há coisas que não existem em São Paulo. Restaurant­e cubano. Restaurant­e indonésio. Pamonha em múltiplos sabores.

Em Brasília, contudo, as pessoas nos restaurant­es são muito mais interessan­tes que a comida. Minha brincadeir­a fa- vorita é imaginar quem são os estranhos e o que fazem no Cerrado.

Aqueles orientais na mesa do fundo: seriam diplomatas filipinos? O sujeito que almoça sozinho leva jeito de lobista. E aquelas duas mulheres com uma garrafa de vinho? Advogadas, certamente.

Mulheres são franca minoria, principalm­ente na hora do almoço. Os ternos escuros predominam.

Uma vez, num hotel próximo ao Palácio do Planalto, vi um político paulista dos graúdos. Ele e outros homens de terno estavam sentados ao ar livre, perto da piscina —a despeito do sol fustigante e das numerosas mesas desocupada­s no salão climatizad­o.

Chegou o garçom com a conta. Cada amigo do político pôs um bolo de notas sobre a mesa.

Muito curioso, esse hábito brasiliens­e. A conta do restaurant­e, chique ou xexelento, costuma ser paga com dinheiro vivo. Em cash. Eu vi o padrão se repetir muitas vezes nas mesas que espionei. Será que essas pessoas não sabem que o cartão é mais prático e mais seguro?

É o segundo maior mistério de Brasília. Só perde para este: onde diabos fica o caixa eletrônico?

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