Longa mostra conquista da Lua sem ufanismo
Com cena da bandeirinha desprezada, ‘O Primeiro Homem’ se volta para a figura de um melancólico Neil Armstrong
Após dar o “gigantesco passo para a humanidade” e pisar na Lua, em 1969, o astronauta Neil Armstrong coletou amostras do solo lunar, que descreveu como “carvão em pó”, tirou fotos e fincou ali a bandeira dos Estados Unidos.
“O Primeiro Homem”, filme que o americano Damien Chazelle lançou sobre o feito histórico, ocultou a parte da bandeira, o que não passou batido. Sitesdedireitaestrilaram,osenador republicano Marco Rubio chamou a ausência de “lunática”, e coube ao ator canadense Ryan Gosling, que interpreta Armstrong, responder: “Encaramos [a chegada à Lua] como uma conquista humana”.
Reside nessa lacuna aquele que talvez seja o maior mérito do longa —um dos destaques do Festival de Toronto—, que chega aos cinemas brasileiros em 11 de outubro.
“O Primeiro Homem” não é um aceno ufanista nem exaltação a heróis com direito a abraços e choros de alegria no final. Chega até a ser um filme melancólico, para baixo.
Isso graças ao fato de a narrativa se deter na figura de Armstrong, e não na jornada à Lua em si. O retrato que o longa faz do astronauta morto em 2012 é o de um homem introspectivo e enlutado pela perda da filha pequena.
Gosling, que Chazelle já havia dirigido em “La La Land”, se mostra confortável no papel de mais um tipo caladão.
Quando o filme começa, Armstrong é mostrado como um piloto de testes com fé cega na ciência de dados. O câncer da filha o leva a duvidar do próprio pragmatismo e a ingressar no programa da Nasa.
À época, os americanos tomavam uma surra dos soviéticos na corrida espacial, e chegar ao satélite poderia reverter o placar. As tentativas, contudo, eram sucessivamente malfadadas, e o protagonista perdia colegas em acidentes nas missões preparatórias. Os riscos também azedavam seu casamento com Janet (Claire Foy, de “The Crown”).
O diretor perpassa todos esses dissabores com sobriedade. Mesmo o pouso na Lua não ganha ares de coroação, mas de reflexão para o tristonho Armstrong.
Aplaudida em Toronto, a obra ganha fôlego para se credenciar para o Oscar. Caso prospere, Chazelle pode acabar topando na premiação com o diretor Barry Jenkins e seu “If Beale Street Could Talk”. Os dois se enfrentaram no Oscar 2016, aquele da gafe que tirou o prêmio de melhor filme do primeiro para entregar ao segundo.