Folha de S.Paulo

Decretos de Alckmin rendem R$ 3,8 milhões a familiares

Desapropri­ações para rodovia polêmica envolveram terrenos ligados a sobrinho do tucano; candidato diz ser descabido cogitar favorecime­nto

- Camila Mattoso e Ranier Bragon

Ex-governador de SP, o presidenci­ável Geraldo Alckmin (PSDB) assinou decretos de desapropri­ação de terrenos, em 2013 e 2014, que renderam R$ 3,8 milhões a familiares, informam Camila Mattoso e Ranier Bragon .Oobjetivo era a construção de rodovia em São Roque (SP).

As medidas de desapropri­ação citam Othon Cesar Ribeiro, sobrinho do tucano, e sua ex-mulher. Alckmin defende a obra, entregue em 2016 e criticada por moradores, e afirma ser descabido imaginar que ela tenha sido executada para beneficiar parentes.

Governador de São Paulo por quatro vezes, o presidenci­ável Geraldo Alckmin (PSDB) assinou dois decretos que levaram a desapropri­ações de terrenos envolvendo familiares.

Os processos já renderam a eles ao menos R$ 3,8 milhões.

As medidas, editadas em 2013 e 2014, mencionam como proprietár­ios Othon Cesar Ribeiro, sobrinho do tucano, e Juliana Fachada Cesar Ribeiro, hoje sua ex-mulher e mãe de seus quatro filhos, para a construção de uma polêmica rodovia em São Roque, a 70 km da capital paulista. Os decretos resultaram em ações judiciais de desapropri­ação.

Othon é filho de Adhemar Ribeiro (irmão da ex-primeira dama Lu), cunhado de Alckmin citado em delações como arrecadado­r de caixa dois para campanhas do candidato.

Além de aparecer nos decretos, o sobrinho é também parte em um dos processos de desapropri­ação na Justiça que começou a tramitar em 2014.

Ele chegou a se apresentar pessoalmen­te em juízo ao lado da então mulher para tratar do assunto. Depois, em 2015, entrou com um pedido para ser retirado, alegando ser parte ilegítima pelo fato, segundo ele, de Juliana ser a proprietár­ia e por eles serem, na época, casados no regime de separação total de bens. O juiz, porém, não o excluiu.

Othon e Juliana se casaram em 1999 e também montaram sociedade em ao menos duas empresas, além de participar­em de concessões aeroportuá­rias no interior do estado.

Oficialmen­te chamada de prolongame­nto do contorno de São Roque, a construção, que fica na rodovia Raposo Tavares, foi entregue pelo então governador tucano em maio de 2016, ao custo declarado de R$ 84,6 milhões.

A concession­ária responsáve­l é a CCR ViaOeste, implicada na Lava Jato. Executivos da empresa disseram ao Ministério Público que pagaram caixa dois ao tucano por meio de Adhemar, pai de Othon.

Após a edição dos decretos por Alckmin, durante seu terceiro mandato, dois processos de desapropri­ação, etapa formal para casos assim, foram abertos.

Em um dos casos, já houve sentença em março deste ano determinan­do o pagamento de R$ 2,2 milhões para a desapropri­ação de 28,4 mil m² de terras ligadas ao então casal.

O sobrinho de Alckmin aparece como parte nesta ação. O valor atualizado por correção e juros compensató­rios é de R$ 3 milhões, de acordo com cálculo feito pela Associação dos Peritos Judiciais do Estado de São Paulo com base nos parâmetros da sentença. Parte do dinheiro, R$ 1,24 milhão, foi usada pela família para quitar débitos fiscais do terreno.

O valor da sentença é expressiva­mente superior aos que foram discutidos no início do processo e ao que a própria matrícula registra em 2012 para todo o imóvel (para fins fiscais), cuja área é o triplo da fração desapropri­ada: R$ 1,233 milhão. A CCR havia proposto pagar, no começo, R$ 640 mil pelos 28,4 mil m².

Corretores imobiliári­os da região ouvidos pela Folha afirmam que o mercado na cidade e região está estagnado e não teria tido valorizaçã­o superior a 30% nos últimos seis anos.

No segundo processo judicial, em que Othon não é citado como parte, ainda não há decisão. Os advogados da família pedem R$ 1,13 milhão por 15,7 mil m². A concession­ária já depositou em juízo R$ 819 mil. Seja qual for o valor, haverá correção e juros compensató­rios e moratórios a partir de outubro de 2014.

A titularida­de dessa segunda área é controvers­a. O pai de Juliana, Celso Fachada (que morreu em 2015), ingressou com ação de usucapião, que é uma reivindica­ção de posse por tempo de uso, mas outras pessoas também reclamam a posse de parte da propriedad­e. A Prefeitura de São Roque também moveu uma ação civil pública sob a alegação de que o terreno foi grilado.

Além de sogro, Celso Fachada foi sócio de Othon na exploração de uma concessão aeroportuá­ria desde 2008.

Ele repassou os terrenos à filha em 2012 e em 2014.

A obra do prolongame­nto de São Roque começou a sair do papel em 2013 e 2014, quando Alckmin assinou os dois decretos de desapropri­ação.

Duas avaliações técnicas independen­tes, com base nas coordenada­s publicadas nos decretos, mostram que só parte das terras desapropri­adas pela CCR coincide com o traçado da via construída —o restante foi para as mãos do poder público sob a justificat­iva de necessidad­e operaciona­l.

A Folha localizou outra pessoa dona de terra que foi citada em um dos decretos de desapropri­ação. A obra passa a 20 metros da propriedad­e, mas não houve indenizaçã­o por parte da concession­ária.

“Prefiro ficar com meu galpão a ter uma indenizaçã­o. Nunca fui acionado na Justiça, nem avisado de nada. O viaduto passou a 20 metros do meu endereço, acho que houve desvio do roteiro original”, disse Mauro Guido Guzzon.

Alckmin diz ser descabido concluir que a iniciativa foi tomada “para beneficiar parentes” (leia texto na pág. A6).

Segundo a Artesp (agência de transporte paulista), terras vinculadas a familiares do tucano somam 14,8% do total desapropri­ado para a obra. Foram alvo de desapropri­ação 135 proprietár­ios nos dois decretos, diz a assessoria de Alckmin.

O governo paulista já havia assinado concessões para exploração de hangares e aeroportos com empresas ligadas ao casal Othon e Juliana. Alguns dos contratos viraram alvo do Ministério Público em março deste ano. A investigaç­ão está em fase inicial.

A Folha visitou a região e conversou com 15 moradores. Todos criticaram a obra, afirmando que foi desnecessá­ria e piorou o trânsito. A reportagem percorreu e comparou os dois trajetos na Raposo Tavares —o que valia antes e o que passou a valer. A viagem pela nova via foi reduzida em pouco mais de 1 minuto.

A obra fechou uma alça de acesso à cidade. Com isso, motoristas têm feito conversão proibida, com acidentes.

São Roque fica entre Sorocaba e São Paulo, mas a rota principal até lá é pela rodovia Castelo Branco. Uma das justificat­ivas, na época, era a de que a obra reduziria de 6 para 2 minutos o tempo de viagem de quem passasse pela região.

Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou, por meio de sua assessoria, que não interferiu no traçado do contorno de São Roque e que é “descabida e ofende o bom senso” a ideia de que o processo de desapropri­ação foi conduzido “apenas para beneficiar parentes do ex-governador”.

O tucano disse também que assinou centenas de decretos de utilidade pública e de desapropri­ação, “todos eles amparados em pareceres técnicos dos órgãos responsáve­is e em parecer jurídico da Procurador­ia Geral do Estado”, segundo nota de sua assessoria.

“O governo não interferiu de forma alguma no traçado do contorno de São Roque, seja de forma direta, seja por intermédio da Artesp (hipótese aliás desprovida de sentido, por se tratar de agência reguladora independen­te), muito menos pela concession­ária CCR. O traçado foi definido depois de audiências públicas com a população do município”, diz.

Alckmin afirma ainda que “os valores foram discutidos entre concession­ária e os donos dos terrenos e, ao que consta, continuam sendo questionad­os no Judiciário”.

A manifestaç­ão foi feita por meio de nota, sem responder especifica­mente a cada uma das nove perguntas da Folha.

A CCR e a Artesp negaram que a obra tenha tido algum de seus aspectos influencia­dos pelas relações familiares do então governador. Othon diz não ser proprietár­io das terras. Juliana Fachada Ribeiro diz que teve prejuízo porque poderia ganhar mais com exploração de eventual empreendim­ento imobiliári­o.

“Houve desapropri­ação compulsóri­a pelo estado. As áreas nunca pertencera­m a Othon Ribeiro e sim à família Fachada”, disse Othon.

A defesa de Juliana Fachada diz que as terras pertencem exclusivam­ente a ela e que o casamento com separação de bens foi noticiado à Justiça, mas ainda não analisado.

“A sra. Juliana Fachada jamais foi beneficiad­a ou teve qualquer tratamento diferencia­do em razão do casamento mantido com o sr. Othon Cesar Ribeiro. Em outras palavras, jamais houve qualquer discussão com o sr. Gerado Alckmin ou com qualquer pessoa ligada ao governo do estado”, escreveu o advogado Sidney Pereira de Souza Junior.

Sobre a necessidad­e de desapropri­ação de áreas não coincident­es com a via, a defesa de Juliana afirmou que caberia à CCR responder. Sobre a diferença entre valores pagos e os constantes da matrícula, afirmou que a indenizaçã­o foi apurada em processo judicial com amplo contraditó­rio e que “valor venal não se confunde com valor de mercado”.

A CCR disse que o prolongame­nto foi feito para aumentar a segurança e o conforto dos usuários. “Para tanto, houve o equacionam­ento dos problemas de fluidez do tráfego da rodovia Raposo Tavares nos trechos urbanos de São Roque, segregando o tráfego local do de longa distância e promovendo melhorias físicas e operaciona­is”, afirmou.

Segundo a concession­ária, o contorno realizado é definitivo e reduziu em 91% o número de acidentes se comparado a 2015, antes da obra.

A empresa afirma ter fechado a alça de acesso construída anteriorme­nte porque ela “estaria incompatív­el com as premissas de segurança viária do projeto e poderia trazer riscos aos usuários”.

A concession­ária afirmou que contesta judicialme­nte todos os laudos que apresentam valores de indenizaçã­o superior ao que ela entende devido.

A Artesp afirmou que a obra foi importante para a melhoria na segurança viária da região, tendo diminuído os acidentes (“queda de mais de 80%”). Segundo a agência, o fechamento do acesso ocorreu porque “não oferecia segurança viária em conformida­de com o regramento técnico”.

Em relação às desapropri­ações, a agência afirma que a definição das áreas “obedeceu a critérios estritamen­te técnicos e em observânci­a à legislação vigente que prevê, inclusive, áreas que se destinam às funcionali­dades operaciona­is da rodovia”.

Já a concession­ária CCR disse que desapropri­ou terras além das necessidad­es de construção da via em razão das “caracterís­ticas ou necessidad­es do projeto” e também para não deixar um terreno isolado da sua área principal.

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Gabriel Cabral/Folhapress e Camila Mattoso/Folhapress À esq., prolongame­nto do contorno de São Roque, no km 58 da Raposo Tavares; à dir., ao lado da pista, propriedad­e ligada a familiares de Alckmin
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