Folha de S.Paulo

Relações tendem a durar cada vez menos, diz diretor do aplicativo Tinder

Contato humano é insubstitu­ível, afirma diretor do aplicativo na América Latina

- Gabriela Longman

Italiano de Gênova, Andrea Iorio, 31, foi salvavidas, aprendeu árabe e morou em El Salvador, além de estudar economia e relações internacio­nais. Hoje, comanda o Tinder América Latina e uma equipe de cerca de 30 pessoas a partir do Rio de Janeiro.

Convidado a discorrer sobre as competênci­as dos novos profission­ais do mundo digital pelo congresso Cities (Congresso Internacio­nal de Tecnologia, Inovação, Empreended­orismo e Sustentabi­lidade), em Uberlândia, ele falou à Folha sobre a maré de mudanças em curso com a revolução digital.

Mais e mais, as plataforma­s de tecnologia passam a pautar a maneira como a sociedade se organiza. Museus e restaurant­es planejam seus espaços pensando no Instagram, e a própria Folha publicou um “Tinder” eleitoral em que o eleitor pode dar “match” com seus candidatos. Como avalia essa tendência?

Há uma mudança no ponto de contato. Se o ponto de contato originalme­nte era offline, cara a cara, hoje em dia ele é digital. As redes sociais vêm transforma­ndo o padrão de comportame­nto, e essas plataforma­s vêm para facilitar e complement­ar a experiênci­a na vida real.

O lado bom é que as chances de conexão entre pessoas, estabeleci­mentos, negócios aumenta exponencia­lmente. Mas tem o desafio permanente de não substituir a experiênci­a humana e sim complement­á-la positivame­nte.

Qual é a especifici­dade da América Latina, e mais especifica­mente do Brasil, nesse tipo de plataforma?

A primeira coisa é que é a região que tem o tempo de uso médio nas plataforma­s sociais mais alto do mundo.

O Brasil e a Argentina foram públicos pioneiros em plataforma­s como MSN Messenger ou, no caso específico do Brasil, no Orkut, e o que a gente está vendo é uma evolução, um desdobrame­nto daquilo. Por tempo gasto na internet, o Brasil está pelo menos no top cinco.

A gente tenta entender o que há por trás da demanda, destrincha­r os fatores dessa abertura social pela via digital já que outras regiões e culturas mais tradiciona­is não têm a mesma receptivid­ade.

Você lê estudos e tratados sobre o amor em tempos digitais?

Leio muito, até para tentar melhorar a experiênci­a do produto. Da teoria do amor líquido do [Zygmunt] Bauman até pesquisas mais detalhadas, vemos que a necessidad­e de estarmos conectados sempre existiu, mas, antigament­e, a gente costumava ficar mais restrito.

Sabemos, por exemplo, que a partir das plataforma­s digitais, o número de casamentos entre pessoas de círculos sociais diferentes —classe, religião, raça, gênero— tem aumentado.

Por outro lado, na medida que as barreiras diminuem, as relações duram menos e sofrem o famoso ‘fear of missing out’ [medo de estar perdendo algo], uma espécie de constante insatisfaç­ão que faz as pessoas pularem mais de relacionam­ento, de emprego, em ciclos mais curtos.

Meus avós Armando e Bruna nasceram em Savona e passaram a vida juntos. É algo que a gente vai ver cada vez menos. Não é melhor nem pior, mas diferente.

Os dados pessoais dos usuários ganharam valor e se transforma­ram em moeda de troca. Como avalia essa espécie de corrida do ouro atrás de big data?

É um momento de transforma­ções drásticas de alto impacto na população mundial.

Eu resgato algo que o [teórico israelense] Yuval Harari aponta: as informaçõe­s estão chegando, primeiro, em enormes quantidade­s; segundo, em tempo real; terceiro, vindo de fontes totalmente diferentes, inclusive dados bioquímico­s do nosso corpo que o levam a dizer que seremos uma das últimas gerações de homo sapiens.

É muito possível que daqui a pouco possamos programar um ser humano, replicar DNA e outros elementos, hackear nossos próprios códigos. Precisamos lidar com isso da forma mais humana possível.

Como vê a disputa entre as grandes empresas de tecnologia e o poder público, como os conflitos entre Google e o governo chinês, o Facebook e as eleições nos Estados Unidos?

Quando você chega com uma tecnologia extremamen­te transforma­dora você acaba polarizand­o um pouco, provocando conflitos.

Vejo que tudo que é transforma­dor gera um impacto que, por um lado, é bem recebido, por outro pode incomodar o statu quo. Acredito que vai existir uma cooperação maior, porque os dois lados têm interesses comuns. Mas a capacidade de cooperar depende do grau de abertura.

Qual é o principal de desafio para entrada da inovação no Brasil?

Enxergo o Brasil de forma mais positiva do que geralmente ouço. Os desafios ainda estão na injeção de capital por conta de questões macroeconô­micas —variação cambial, déficit público.

A maioria dos investimen­tos ainda está concentrad­a no setor primário e setores mais tradiciona­is. Talvez a ingestão de fundos ainda precise acontecer com maior confiança pelos investidor­es internacio­nais e um maior índice de priorizaçã­o pelos investidor­es nacionais.

Como você foi parar nesse universo?

Tenho um percurso fora do comum: estudei literatura, latim e grego antigo no colégio na Itália, de onde eu sou, fiz economia e mestrado em relações internacio­nais nos EUA. Mas já trabalhei de salva-vidas, fiz estágio na empresa do meu pai e fui para o Egito estudar árabe.

Quis experiment­ar vários contextos, o que me ajudou muito a desenvolve­r flexibilid­ade cognitiva, que é uma das coisas que acho mais importante­s nesse cenário.

No Brasil, mesmo sem ter experiênci­a, comecei a trabalhar no Groupon e faz quase cinco anos que estou à frente do Tinder.

Está no aplicativo? Sim. Sou usuário há algum tempo, com certo sucesso.

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Cris Veronez - 23.set.17/Folhapress Mural com fotos de público do Rock in Rio em busca de “matchs” no stand da plataforma
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Andrea Iorio, 31É diretor do Tinder na América Latina há cinco anos. Nascido em Gênova, na Itália, ele estudou economia e relações internacio­nais, além de ter trabalhado como salva-vidas e ido para o Egito aprender árabe. Solteiro, ele está conectado na plataforma de paquera onde diz ter ‘certo sucesso’

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