Folha de S.Paulo

O direito de não ir à escola

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Uma das piores coisas que pais podem fazer a seus filhos é privá-los da escola. Ela serve não só para ensinar aos jovens os conteúdos das disciplina­s básicas, o que daria para fazer em casa com um bom programa de estudos, mas também os prepara para conviver com seus pares. Ainda assim, penso que o STF pisou na bola ao vetar o ensino domiciliar.

A missão de uma corte constituci­onal numa questão como essa não é determinar o que é melhor para as crianças —a tarefa de identifica­r o que de fato funciona e estimular as pessoas a fazê-lo cabe ao Executivo—, mas estabelece­r os limites nos quais o Estado pode interferir na vida dos cidadãos. Não estou, evidenteme­nte, sugerindo que pais possam fazer o que bem entenderem com seus rebentos. O Estado pode e deve requerer dos genitores que eduquem seus filhos e zelem por sua saúde. Meu ponto é que o poder público pode cobrar resultados, mas não determinar o caminho quando existam vias alternativ­as.

Eu me explico. Se a criança não aprende a ler nem adquire os conhecimen­tos básicos para viver em sociedade, os pais podem ser processado­s por abandono intelectua­l. Se o jovem aparece inexplicav­elmente machucado ou desnutrido, devemos investigar e eventualme­nte responsabi­lizar quem tem a sua guarda. A garotada decerto tem direito à educação e à saúde. O que não dá para fazer, pelo menos não numa sociedade aberta, é obrigar todos a seguirem a mesma rota.

Afinal, se o STF admite que é legítimo que o poder público obrigue uma família a matricular o filho na escola, por que não exigir também que o faça frequentar uma igreja (a Constituiç­ão sugere que a religião integra a formação básica dos cidadãos) ou praticar esportes e comer quatro porções de fruta por dia?

E o fato de o Legislativ­o nunca ter regulament­ado o ensino domiciliar não é motivo para não reconhecêl­o como um direito autoaplicá­vel.

Isso dito, não deixe de mandar o seu filho à escola.

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