Folha de S.Paulo

Depuração em risco

Não é hora de apelar para o coração, mas sim de usar a mente

- Janaina Paschoal Advogada, professora livre-docente de direito penal (USP) e candidata a deputada estadual (PSL-SP)

Tenho sustentado que o Brasil passa por um processo de depuração que se iniciou com o impeachmen­t. O descortina­r dos crimes de responsabi­lidade e do contexto em que foram praticados conferiu legitimida­de para que investigaç­ões fossem levadas adiante em operações conhecidas como Lava Jato.

Por 20 anos, li e ouvi juristas dizerem que, no Brasil, apenas os pobres são alcançados pelo direito penal. Estranhame­nte, quando os poderosos começam a ser responsabi­lizados criminalme­nte por seus atos, os mesmos juristas se rebelam alegando perseguiçõ­es políticas.

A fim de criar o cenário ideal para anular investigaç­ões que vêm incomodand­o quem não está acostumado a ser incomodado, começam os alertas sobre possíveis excessos. Proferem-se arquivamen­tos, absolviçõe­s e libertaçõe­s não explicávei­s pela letra da lei e diante dos fatos.

Quem se dispõe a me ouvir sabe que não sou punitivist­a. Não sou entusiasta incondicio­nal da atuação dos agentes do Estado. Sempre defendi um direito penal que só interfira nas situações mais reprovávei­s. Até por isso, insisto que o ponto a que o país chegou enseja recorrer, em grande escala, ao direito penal.

O Estado democrátic­o de Direito não vive sem um direito penal que seja aplicado a todos que pratiquem atos passíveis de serem punidos, independen­temente de terem, ou não, poder.

Fala-se muito em igualdade de oportunida­des, porém, a maior forma de igualdade é a referente à aplicação da lei.

O processo de depuração vem ocorrendo, mas não se pode afirmar que esteja assegurado. Haja vista que muitos partidos e muitas pessoas poderosas estão envolvidos em práticas criminosas, há muito interesse em interrompe­r apurações essenciais.

É sob essa perspectiv­a que as eleições de 2018 devem ser avaliadas. Os esquerdist­as, em geral, explicam toda a complexida­de social, com base na luta de classes, ou seja, restringem suas análises aos aspectos econômicos.

Ainda que com premissas e conclusões diversas, aqueles que se apresentam como liberais também se limitam ao econômico. Notem quantos propagam que enfrentand­o os problemas econômicos todos os demais estarão solucionad­os. Chega a ser hilário!

Muito embora as questões econômicas sejam relevantes, quando se tem um país adoecido pelo crime (de massa e de poder), a mentalidad­e econômica resta insuficien­te. Podemos discutir privatizaç­ões e reformas previdenci­ária e trabalhist­a? Devemos! Mas, onde impera a fraude, todo e qualquer modelo será defenestra­do.

Se, por um lado, há candidatos que ignoram o real problema, por outro, há os que conhecem bem a situação, mas estão determinad­os a encobrir os escândalos. Alguns chegam a dizer que enquadrarã­o quem vem fazendo a necessária depuração e libertarão condenados presos!

Vejam, em um país guiado pelo crime, até faz sentido punir quem busca o cumpriment­o da lei e premiar quem a descumpre.

Diante desse quadro, assusta o fato de o único candidato ciente da real dimensão do problema ter sido vítima de um sério atentado. Assusta ainda mais a pressa com que as autoridade­s concluíram se tratar de uma ação isolada. Ora, as investigaç­ões nem começaram! Paralelame­nte, em discurso ultrapassa­do, procuram responsabi­lizar a vítima pela violência sofrida! Evidente que o único objetivo é nublar a realidade!

Aliás, o fato de o criminoso ter sido preso sem sofrer um arranhão mostra que a maioria da população só quer resgatar a legalidade.

O período pré-eleitoral, em regra, é marcado por fortes emoções. Querem resumir a discussão a postagens no Face e nos grupos de WhatsApp. Coletivida­des pró ou contra! Não é hora de apelar para o coração, faz-se necessário usar a mente e lidar com os fatos. Todas as pautas são importante­s: saúde, educação, mas a prioridade é garantir que o processo de depuração siga.

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Claudia Liz

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