Festival leva músicos e bailarinos imigrantes ao centro
Festival leva ao Palacete Tereza Lara aulas e festas com paulistanos e imigrantes que adotaram a metrópole
O egípcio Hamada Nayel está aprendendo português e fala bem inglês. Às vezes, usa o árabe e pergunta a melhor tradução de alguma palavra para Mohammad Al Jamal, nascido no Líbano. O primeiro chegou aqui há alguns meses e o segundo, três anos atrás.
Os dois bailarinos precisam combinar com outros artistas do Oriente Médio, da África, da América de língua espanhola e do Brasil detalhes da programação do 2º Festival Na Dança!, que acontece de sexta (21) a domingo (23).
Serão três dias de aulas e festas conduzidas por bailarinos e músicos que chegaram a São Paulo nos recentes fluxos migratórios ou que são descendentes dos imigrantes que formam o caldo populacional da cidade: espanhóis, japoneses, europeus do leste, latino-americanos, árabes e africanos.
Eles estarão reunidos no Palacete Tereza Toledo Lara, casarão no centro da capital tombado pelo patrimônio histórico e reformado para abrigar eventos de música e dança.
Subindo pelo elevador com porta pantográfica ou pelas escadas em caracol com corrimãos de época —o palacete é de 1910—, chega-se ao salão com piso de madeira e vista para a rua José Bonifácio.
Ali, em meio à confusão de línguas —árabe, inglês, francês, português, portunhol—, circulam músicos do Togo ou do Congo com roupas típicas e pinturas tribais no rosto, dançarinos árabes de turbante, japoneses de quimono,umabailarinacolombianacomsaia típica de festa, um senegalês de dreadlocks com sua túnica bordada e um angolano vestido de canga com estampa étnica.
A professora e pesquisadora de danças Betty Gervitz, idealizadora do festival, tenta dar ordem ao caos e marcar ensaios para as duas festas da programação. Nas aulas, cada artista vai apresentar e ensinar individualmente as danças de seu país de origem.
Já as festas são criação coletiva, uma “jam” de corpos e ritmos para “performers” e público entrarem no baile. Tudo com música ao vivo. Experimentar, no próprio corpo, a diversidade cultural de São Paulo é o objetivo do evento —as atividades foram preparadas para serem acompanhadas por qualquer pessoa, não apenas por profissionais.
“Gosto da troca. Nesse encontro com danças de muitos países, aprendo coisas que não conhecia e descubro pontos em comum. Resgatei aspectos de minha ancestralidade que nem imaginava existirem”, explica o angolano Ermi Panzo, 28, dançarino, músico e poeta.
Pesquisar e ensinar danças de diferentes partes do mundo é o trabalho de Betty Gervitz há mais de 30 anos. Nesse percurso, ela viajou muito, conheceu professores e trouxe vários deles para dar oficinas em São Paulo. Mais: trocou, em 2017, a dificuldade de bancar um evento internacional pela oportunidade de abrir espaço para artistas imigrantes se inserirem no circuito cultural paulistano.
Surgiu o primeiro Na Dança!. Junto com o músico Gabriel Levy, coordenador musical do festival, ela foi atrás desses artistas e realizou, sem patrocínio, o evento multicultural dançante no palacete do centro da capital.
O libanês Mohammad Al Jamal, 28, dirigia um grupo de dança e música em seu país. Com a deterioração da situação econômica por causa da guerra nos países vizinhos, não conseguiu sobreviver de seu trabalho.
Chegou a São Paulo e montou um grupo de folclore árabe com artistas libaneses, sírios e palestinos. “Não está fácil, a concorrência é grande”, diz ele. Aos poucos, amplia a rede de contatos e os convites para se apresentar em shows, casamentos ou dar aulas.
Nesteano,oprojetofoiampliadoparaoque os organizadores chamam de plataforma Na Dança!, espaço cooperativo que estimula encontros e trocas entre artistas ainda pouco conhecidos por aqui e seus pares já estabelecidos. A ideia é gerar oportunidades de inserção cultural e caminhos para imigrantes trabalharem em suas áreas de formação, além de oferecerem algo para a cidade.