Folha de S.Paulo

FAB quer arrecadar R$ 140 milhões ao ano com ‘aluguel’ da base de Alcântara

Montante é cinco vezes o valor médio anual investido pela União no programa espacial na última década

- Rubens Valente O repórter viajou a convite da Aeronáutic­a

Quinze anos após o incêndio que matou 21 engenheiro­s e técnicos no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), a Aeronáutic­a volta a sonhar com um programa espacial que consiga colocar satélites em órbita, técnica hoje dominada por um clube restrito de oito países.

A FAB busca agora comerciali­zar as bases de lançamento do CLA para empresas de países que têm tradição no setor, como EUA, China e Rússia. A estimativa do órgão é que seria possível arrecadar R$ 140 milhões por ano apenas com as taxas de lançamento —cinco vezes o valor médio anual investido pela União no programa espacial nos últimos dez anos, segundo a FAB.

O plano prevê a criação de uma empresa pública, a Alada, a um custo inicial de R$ 1 milhão, vinculada ao Ministério da Defesa, que teria agilidade para fechar contratos com estrangeir­os, arrecadar as taxas e reinvestir o valor no programa espacial, reduzindo a burocracia e evitando a lei de licitações.

A FAB rejeita a expressão “aluguel” para o sistema proposto, e compara o CLA a um aeroporto, no qual as companhias aéreas pagam pelo direito de operar. “Nós vamos ceder ou entregar um pedaço de Alcântara aos Estados Unidos? Nós vamos [deixar] fincar uma bandeira aqui e vamos embora? Nada disso”, diz o major-brigadeiro Luiz Fernando de Aguiar, presidente da Comissão de Coordenaçã­o de Implantaçã­o de Sistemas Espaciais.

Em 2001, o governo Fernando Henrique Cardoso tentou fechar com os EUA um acordo semelhante. Bombardead­o de todos os lados por conter cláusulas que colocavam em risco a soberania nacional, o acordo não foi aprovado pelo Congresso brasileiro.

Hoje a FAB reconhece a procedênci­a das antigas críticas e procura esclarecer o alcance e as caracterís­ticas de um futuro acordo de salvaguard­as, que desde 2017 está em discussão com o governo dos EUA.

A FAB reuniu jornalista­s na sexta (14) par amostrara potenciali­dade comercial do C LA. “O acordo de 2001 era muito desigual, desequilib­rado em termos de nação brasileira. Ele era muito, digamos assim, americaniz­ado, e pouco abrasileir­ado”, reconheceu Aguiar, citando que o antigo acerto “previa área exclusiva para operação dos EUA, entrada de material sem verificaçã­o por parte da Receita [Federal]”.

Esses pontos foram modificado­s, segundo o militar, para que o acordo se torne “mais palatável” e possa ser aprovado pelo Congresso. A íntegra da minuta do acordo ainda não é conhecida.

O acordo, diz Aguiar, terá o efeito em cascata de permitir outros acertos bilaterais, pois muitas empresas da Europa usam equipament­os e peças americanos. Para ele, o Brasil poderia assim participar do mercado mundial espacial, que movimenta cerca de US$ 330 bilhões ao ano.

A ideia é seguir os passos do centro espacial europeu Kourou, na Guiana Francesa, que também comerciali­za bases de lançamento. Para Aguiar, o CLA é uma mina de ouro, tendo como principal atrativo a sua localizaçã­o. Como a estação é próxima da linha do Equador, o foguete que carrega o satélite poderia economizar até 30% de combustíve­l, permitindo que leve mais cargas, como outros satélites.

A FAB acredita que a futura empresa poderia negociar posições até com a empresa americana SpaceX, que planeja lançar mais de 900 satélites nos próximos anos.

A expectativ­a de arrecadar R$ 140 milhões/ano, segundo o major-brigadeiro, se refere ao uso de três pontos possíveis em 9 mil hectares do CLA já ocupados pela FAB. Os mili- tares, porém, afirmam querer ocupar todos os 20 mil hectares do complexo.

O centro foi inaugurado em 1983, nos últimos anos da ditadura militar. Uma das consequênc­ias foi a transferên­cias de centenas de pescadores e quilombola­s para longe da faixa litorânea, por razões de segurança. Para ocupar os 20 mil hectares e criar os novos locais de lançamento, a FAB estima que terá de remover mais de 2.000 pessoas.

Apoiadas pelo Ministério Público, as famílias prometem resistir. A FAB diz que a negociação com as famílias não compete a ela, mas à Casa Civil, que trabalha em conjunto com o GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal).

Mantido com recursos federais que variam de R$ 20 a R$ 40 milhões anuais, fora os salários de 900 servidores, o CLA foi usado até agora apenas para lançamento­s chamados suborbitai­s, ou seja, quando um artefato é lançado mas retorna à atmosfera e cai no mar, sem entrar em órbita.

Experiment­os desse tipo permitem que universida­des brasileira­s e estrangeir­as avaliem, por exemplo, como determinad­a substância se comporta na gravidade zero. Foram 490 lançamento­s do gênero.

Porém, o grande salto científico e militar brasileiro de ter domínio do espaço é um sonho ainda distante. Os satélites brasileiro­s lançados pelo Brasil a partir dos novos recursos, segundo a FAB, teriam uma função dupla, civil e militar. Isso permitiria baratear o custo de serviços tão diversos como fazer uma ligação telefônica a assinar uma TV a cabo.

Para se viabilizar comercialm­ente, a FAB também fez uma série de obras e modificaçõ­es na área de segurança do CLA. Em 22 de agosto de 2003, a apenas três dias do lançamento, o foguete brasileiro VLS (Veículo Lançador de Satélites) se incendiou na própria torre, matando todos os profission­ais que ali estavam. Foi o mais duro golpe na história do CLA e do programa espacial brasileiro.

O diretor do CLA, o coronel Luciano Valentim Rechiuti, disse que a nova torre foi construída conforme as recomendaç­ões de dois relatórios, o da investigaç­ão da FAB e o de uma empresa de consultori­a russa.

A FAB criou sistemas de fuga para os técnicos, automatizo­u vários procedimen­tos, construiu uma casamata a poucos metros, para restringir ao mínimo necessário a presença de pessoas na torre, e reforçou o sistema de proteção das descargas atmosféric­as.

“Nós trabalhamo­s sempre para chegar próximo do risco zero. É uma atividade de risco? Sem dúvida nenhuma, mas trabalhamo­s para minimizá-lo”, disse o coronel.

 ?? Pedro Ladeira/Folhapress ?? Torre no Centro de Lançamento de Alcântara, que permite lançar foguetes com menos combustíve­l, pela proximidad­e com a linha do Equador
Pedro Ladeira/Folhapress Torre no Centro de Lançamento de Alcântara, que permite lançar foguetes com menos combustíve­l, pela proximidad­e com a linha do Equador

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