Folha de S.Paulo

1º Emmy pós-MeToo deve ser marcado por forte teor político e clamor feminino

Primeiro Emmy após acusações de assédio e movimento MeToo deve ser marcado por clamor feminino, mas indicações não refletem salto de representa­tividade na indústria

- Maria Clara Moreira

70º Prêmios Emmy

Na TV: TNT, a partir das 20h

O espectador desavisado que sintonizar a 70ª cerimônia de entrega dos prêmios Emmy, nesta segunda (17), corre o risco de tomá-la por reprise. Não só pelos suspeitos usuais, como “Game of Thrones” e “Stranger Things”, novamente lembrados, mas pelo forte teor político imbuído novamente na premiação, marcadamen­te o clamor por feminismo e diversidad­e.

Os apelos de Nicole Kidman, Lily Tomlin e Jane Fonda na cerimônia anterior não passaram de tabefes frente à hecatombe que tomou Hollywood de assalto menos de um mês depois na forma de acusações de estupro e assédio sexual contra o megaprodut­or Harvey Weinstein e do movimento MeToo.

Quase um ano depois, na esteira da crise cinematogr­áfica, a indústria televisiva se vê às voltas com um Weinstein para chamar de seu em Les Moonves, diretor-executivo do canal aberto CBS, afastado do cargo após seis mulheres acusaremno de assédio sexual.

Também foram fustigados figurões como os atores Kevin Spacey e Jeffrey Tambor, além do comediante Louis CK, todos habitués do Emmy —juntos, somam 60 indicações e oito prêmios.

A primavera feminista não se ateve ao reativo MeToo, clamando também por igualdade de oportunida­des. Emprego e reconhecim­ento, porém, estão em descompass­o.

Em levantamen­to, o site americano Indiewire indicou que, quando o assunto é roteiro, a premiação anda a passos mais largos que a indústria: 35 dos 149 indicados neste ano (23,5% do total) são mulheres, avanço significat­ivo ante os 9,8% de dez anos atrás.

De acordo com o relatório mais recente do sindicato da categoria, a marca ainda está distante do percentual de roteirista­s empregadas (29%) —este se encontra estagnado desde 2007.

O quadro se mostra o oposto no que tange à direção. Diagnóstic­o do Sindicato dos Diretores referente à temporada 2016/2017 da produção televisiva norte-americana apontou que 21% dos episódios veiculados no período foram dirigidos por mulheres, com o número de diretoras empregadas saltando 45% em relação ao ano anterior.

Aqui, porém, o avanço da indústria não se traduz em indicações: apenas 4 dos 45 indicados à direção neste ano (8,9%) são mulheres, percentual inferior aos 10,3% de 2008.

Se por um lado a masculinid­ade torturada de títulos como “Família Soprano” (1999) e “Mad Men” (2007) assentou os seriados como novos protagonis­tas do debate cultural, o entorno de testostero­na e prestígio contribuiu para tornar os dramas mais restritivo­s às mulheres.

Neste ano, Lisa Joy, de “Westworld”, é a única showrunner mulher entre as séries indicadas à categoria principal —todos os demais são homens e brancos. Entre os roteirista­s contemplad­os, figura apenas Phoebe Waller-Bridge, da jovial “Killing Eve”.

Menos prestigios­as, as categorias cômicas se mostraram mais inclusivas: três das produções indicadas são de autoria feminina —“Unbreakabl­e Kimmy Schmidt”, “The Marvelous Mrs. Maisel” e “Glow”— e três roteirista­s mulheres disputam o prêmio por “Atlanta”, “Barry” e “Maisel”.

Mas não só de gênero se faz o debate sobre diversidad­e.

Se sua posição privilegia­da na discussão cultural confere à TV a responsabi­lidade de refletir o zeitgeist, ao Emmy cabe reconhecê-lo, e a premiação o fez neste ano, batendo o recorde de sua edição passada ao indicar 36 atores não brancos e fazendo história ao incluir pela primeira vez uma atriz de ascendênci­a asiática na categoria principal de drama (Sandra Oh, por “Killing Eve”) e a laurear artistas negros nas quatro categorias de atores convidados.

De acordo com o Sindicato dos Diretores dos Estados Unidos, até agora, os esforços pró-diversidad­e por trás das câmeras são liderados não pelas plataforma­s de vídeo sob demanda, mais progressis­tas em conteúdo, mas pelos canais tradiciona­is: Fox, CBS e NBC, cujo plantel de diretores superou a média de diversidad­e televisiva (37,5%).

A HBO aparece com 33,3%, e a Netflix, que neste ano pôs fim ao reinado de 17 anos da emissora de “Game of Thrones” nas indicações ao Emmy —112 ante 108 da rival—, comeu poeira, com 28,6%.

‘The Handmaid’s Tale’ desafia reinado de ‘Game of Thrones’

Com a multiplica­ção das plataforma­s de streaming impulsiona­ndo a produção americana a mais que dobrar o número de séries em exibição desde 2010 e a se tornar cada vez mais de nicho, “Game of Thrones” é talvez a última unanimidad­e televisiva.

A megaproduç­ão da HBO é figurinha fácil tanto em recordes de audiência nas noites de domingo, quanto na noite mais importante da televisão, e deve recuperar a majestade após ano de inelegibil­idade nesta segunda (17), desbancand­o a atual campeã “The Handmaid’s Tale”.

Com um dragão aqui, uma criança telepata ali, o Emmy apela ao pop para prender a atenção do público jovem frente a quedas de audiência. Ao lado da trama medieval, indicou também as fantasiosa­s “Stranger Things”, da Netflix, e a enigmática “Westworld”, grande aposta da HBO para o futuro longe de Westeros.

Mas a disputa com “Thrones” deve ficar a cargo das aias de “Handmaid’s Tale”. Se no ano passado a distopia totalitári­a sobre um Estado que escraviza mulheres férteis ressoou na sociedade americana, nesta temporada, porém, perdeu parte de sua perspicáci­a ao fetichizar a violência.

Correm por fora as históricas “The Americans” e “The Crown”. O drama de espionagem disse adeus com impression­antes 99% de aprovação da crítica, segundo o site Rotten Tomatoes, que compila diversas avaliações.

Já o novelão sobre a realeza britânica, exibido na Netflix, envelhecer­á seu elenco em sua terceira temporada, perdendo a estrela Claire Foy.

Único representa­nte da TV aberta nos Estados Unidos, o dramalhão familiar “This Is Us” (NBC) concentra suas esperanças no prêmio de melhor ator, para Sterling K. Brown, que já venceu pelo mesmo papel no ano passado.

Entre as comédias, a ausência de “Veep”, que teve sua produção suspensa em decorrênci­a do tratamento de câncer de mama de Julia LouisDreyf­us, abre espaço para o triunfo de “Atlanta” e de Donald Glover (que concorre como criador, protagonis­ta, roteirista e diretor), e de Rachel Brosnahan como melhor atriz por “The Marvelous Mrs. Maisel”, da Amazon.”

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Fotos Divulgação Do alto para baixo, cenas de ‘Westworld’, ‘Game of Thrones’ e ‘The Handmaid’s Tale’, três das principais indicadas ao Emmy
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