Folha de S.Paulo

Abre-se espaço para coordenar o voto útil centrista

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

Há lugar para um novo protagonis­mo das lideranças em torno da formação de uma frente de salvação nacional do centro, para barrar os riscos do iliberalis­mo populista à esquerda e à direita.

O voto útil converteu-se no principal protagonis­ta das eleições. Não podia ser diferente dada à forte fragmentaç­ão de candidatur­as e seu elevado grau de competitiv­idade.

O quadro é consequênc­ia do choque da Lava Jato que se abateu sobre os dois partidos que vertebrava­m a disputa política. A atual foi prefigurad­a no cenário “bispo contra comunista” do pleito do Rio em 2016.

Candidatur­as extremista­s só se tornam viáveis quando o centro entra em colapso. Mas no nível federal este foi assimétric­o.

Embora a Lava Jato tenha abatido a o líder da antiga oposição e também debilitado brutalment­e o PT, o quadro foi parcialmen­te revertido em relação a este partido. Isto se deveu a três fatores.

Primeiro, a ascensão de Bolsonaro que fez o PT ressurgir das cinzas, o que por sua vez alimentou a própria candidatur­a do capitão reformado.

Segundo, a prisão de Lula e a estratégia de vitimizaçã­o perseguida que lhe permitiram tornar-se o ponto focal da cobertura midiática.

Terceiro, a permanênci­a de Temer à frente da Presidênci­a arrefeceu a memória da hecatombe econômica ocorrida e do petrolão. De quebra, a paralisia decisória resultante solapou a recuperaçã­o da economia, diluindo a culpa do PT pela crise.

Neste momento, os eleitores podem ser agrupados em blocos radicaliza­dos à esquerda e à direita, e em um terceiro, ao centro, cada bloco detendo cerca de um terço do eleitorado.

A incerteza concentra-se no primeiro turno. Surgem assim fortes incentivos ao voto útil (pelos eleitores) e a esforços de coordenaçã­o (pelas elites partidária­s).

Dilemas de coordenaçã­o ocorrem sob todas as regras eleitorais embora com intensidad­e variável. Ele envolve decisões quanto à entrada e saída na disputa política: sobre candidatur­as próprias vis-à-vis as de parceiros (a montagem dos palanques federais e estaduais). E sobre como impedir candidatur­as rivais (como o PT fez em relação ao PSB). O dilema é assim um jogo de coordenaçã­o em dois níveis: local e federal.

A hora de lançamento de outsiders já passou. O protagonis­mo agora envolve os eleitores, não os partidos. Mas há lugar para um novo protagonis­mo das lideranças em torno da formação de uma frente de salvação nacional do centro fragmentad­o para barrar os riscos do iliberalis­mo populista à esquerda e à direita.

O alerta de Levitsky, nesta Folha, ignora a recente radicaliza­ção anti-institucio­nal do PT. Não estamos em 2002.

Embora fragmentad­o, o centro tem vantagem estratégic­a ainda não reconhecid­a amplamente: bolsonaris­tas e petistas preferem um candidato de centro a seus antípodas ideológico­s. Mas o risco de falhas de coordenaçã­o é alto —quem será o ponto focal?

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