Folha de S.Paulo

Corações, mentes e bolsos

Decisão de proibir doação de empresas não eliminou influência da elite econômica

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Bruno Carazza Doutor em direito (UFMG), mestre em economia (UnB) e autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagen­s do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras) e do blog “O E$pírito das Leis”

Somos 147.302.357 eleitores aptos a decidir o futuro do país daqui a 20 dias. Está em nossas mãos escolher aqueles que poderão iniciar o duro caminho rumo à superação da crise ou, para os pessimista­s, aqueles que nos empurrarão definitiva­mente para o colapso social.

Apesar da descrença com os partidos e políticos, é inegável que o interesse pela política no Brasil vem crescendo nos últimos anos. Desde as manifestaç­ões de junho de 2013, passando pela acirrada disputa eleitoral de 2014, as mobilizaçõ­es pelo impeachmen­t de Dilma e o movimento “Fora, Temer”, para o bem e para o mal a política voltou a ser assunto de mesa de bar, almoço de família e, claro, redes sociais.

A militância petista ressurgiu das cinzas, o movimento de direita saiu com força do armário e novos partidos mais orgânicos surgiram em cada lado do espectro ideológico. Nas eleições mais incertas desde a redemocrat­ização, corações e mentes se mobilizam para a reta final.

A despeito desse crescente interesse pelo pleito, a empolgação com a disputa não é suficiente para conquistar outro órgão vital do corpo do eleitor: o bolso.

Desde que o TSE passou a divulgar os dados de financiame­nto de campanhas no Brasil, o baixo envolvimen­to do eleitor é notório. O máximo de participaç­ão de pessoas físicas ocorreu em 2010, quando 208.571 indivíduos fizeram algum tipo de doação para candidatos ou partidos. Na época, isso representa­va irrisórios 0,15% do eleitorado.

Neste ano, os dados parciais liberados pelo TSE indicam que até o dia 15 apenas 83.609 pessoas se dispuseram a transferir dinheiro para alguma campanha. Em percentual do eleitorado, isso significa meros 0,057%.

No início da campanha imaginou-se que o financiame­nto coletivo pela internet seria o grande canal para candidatos e partidos captarem recursos de seus apoiadores. Os números indicam, contudo, que as vaquinhas virtuais arrecadara­m menos de R$ 7,5 milhões — um montante abaixo de 2% do total das doações feitas por pessoas físicas.

O grosso do dinheiro, no entanto, veio dos próprios candidatos. Dos R$ 381 milhões doados por pessoas físicas até o momento, R$ 196 milhões (51,4%) vieram de indivíduos que terão seus nomes mostrados nas urnas eletrônica­s.

Essa predominân­cia do autofinanc­iamento das campanhas é reflexo de uma importante alteração nas regras do jogo eleitoral. Desde que o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu as contribuiç­ões de campanhas realizadas por empresas, ganhou força o movimento de partidos para lançarem candidatos que tivessem bala na agulha para bancar boa parte dos gastos de suas campanhas.

A estratégia deu certo nas eleições municipais de 2016 —as primeiras sem a participaç­ão das empresas— com João Doria (PSDB), Alexandre Kalil (PHS) e Vitório Medioli (PHS), milionário­s eleitos para as prefeitura­s de São Paulo, Belo Horizonte e Betim, respectiva­mente.

Em 2018, cinco candidatos despontam no top 10 dos grandes doadores até momento, com destaque para Henrique Meirelles, aposta do MDB para a Presidênci­a da República, que já aportou R$ 45 milhões no seu sonho de ocupar o Palácio do Planalto.

Além da proeminênc­ia das doações feitas pelos próprios candidatos, os números parciais da prestação de contas eleitorais indicam que a decisão do STF de proibir as doações de empresas não foi suficiente para eliminar a influência da elite econômica em nossas eleições.

Impedidos de doar por meio de suas empresas, empresário­s e executivos têm feito contribuiç­ões milionária­s usando seu próprio CPF. Na lista dos maiores doadores despontam os donos de grandes corporaçõe­s como Cosan, Riachuelo, MRV, Localiza e La Fonte Participaç­ões (Oi, Shopping Iguatemi e Grande Moinho Cearense). Observando esses dados, percebemos que a tarefa de diminuir a influência do dinheiro na democracia brasileira vai muito além do que pretendeu o STF.

Sem limites efetivos para doações de pessoas físicas e candidatos, eleições mais baratas e partidos fortes o suficiente para convencer o cidadão comum a colocar a mão no bolso e contribuir para candidatos que comunguem com seus ideais, continuare­mos presos na armadilha do trinômio “dinheiro, eleições e poder”.

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