Folha de S.Paulo

Berlim aponta procurador­a para conter antissemit­ismo

Nomeada é Claudia Vanoni; casos na cidade subiram de 510 para 947 em 2017

- Carolina Vila-Nova Fabrizio Bensch - 25.abr.18/Reuters

são paulo O aumento dos casos de antissemit­ismo e sua maior virulência levaram o Ministério Público de Berlim a designar uma procurador­a especial para lidar com o tema no âmbito da cidade-estado.

Com anos de experiênci­a na acusação dos chamados “crimes politicame­nte motivados” em nível estadual e federal, a jurista Claudia Vanoni, 44, assumiu a procurador­ia especial no último dia 1º.

Segundo dados do Departamen­to para Pesquisa e Informação sobre Antissemit­ismo (Rias, na sigla alemã), foram registrado­s 947 casos de antissemit­ismo na capital alemã em 2017, contra 510 em 2016. Em 2015, haviam sido 405.

Os registros incluem agressões físicas, ataques verbais, propaganda, danos à propriedad­e, ameaças e outros. Partem de pessoas identifica­das como de esquerda e direita; de alta e baixa escolarida­de; de cristãos, muçulmanos e ateus.

“O antissemit­ismo está ancorado em quase todos os grupos políticos, sociais e religiosos, é desprezíve­l, e cabe a nós combatê-lo”, disse o senador Dirk Behrendt (Verde) à publicação Jüdische Allgemeine.

Do total de casos em 2017, 204 tiveram como alvo instituiçõ­es judaicas; 164, entidades da sociedade civil; 128, instituiçõ­es israelense­s; 98, indivíduos; e 35, memoriais.

Levantamen­to preliminar de janeiro a junho deste ano indica a manutenção dos níveis do ano passado. Porém, o teor dos eventos tem mudado, afirmou o porta-voz do Rias, Alexander Rasumny.

“Temos muito mais ataques violentos e mais ameaças de violência do que em 2017, e isso é um desenvolvi­mento muito preocupant­e”, afirmou.

Outra mudança, diz ele, ocorre no discurso público: afirmações que antes eram socialment­e inaceitáve­is passaram a ser normalizad­as, como o negacionis­mo e ataques à memória do Holocausto.

“Há apenas algumas semanas, houve um escândalo quando um grupo de políticos foi a Oranienbur­g, cidade onde há hoje um memorial no antigo campo de concentraç­ão [Sachsenhau­sen]. Vários deles questionar­am a veracidade das câmaras de gás. Isso é algo que tem se tornado aceitável ao longo dos anos.”

A visita do grupo, capitanead­o pela líder do partido ultranacio­nalista Alternativ­a para a Alemanha, Alice Weidel, acabou sendo interrompi­da. Mais de 200 mil pessoas foram presas em Sachsenhau­sen entre 1936 e 1945, a maioria prisioneir­os políticos mas também muitos judeus.

Outra tendência é o antissemit­ismo direcionad­o ao Estado de Israel, o que, diz o Rias, afeta as políticas de memória.

Rasumny também vê correlação indireta entre o aumento do antissemit­ismo e o cresciment­o de atitudes xenofóbica­s no país, sobretudo após a entrada em massa de refugiados em 2015 como parte de uma política do governo da chanceler Angela Merkel.

“O antissemit­ismo difere do racismo, mas muitas vezes eles se combinam. Se você olha para as teorias de conspiraçã­o nos protestos da extrema-direita, eles dizem que há uma substituiç­ão na população, dando a entender que os refugiados valem menos e estão substituin­do os chamados alemães étnicos”, explica.

“Então a pessoa começa a questionar, nessa teoria, de quem é a ideia de substituir a população, por que isso ocorre e quem se beneficia, e a resposta costuma ser que se trata de ‘conspiraçã­o judaica’.”

Rasumny aprecia a criação do cargo de procurador especial para o antissemit­ismo, afirmando que muitas vítimas não denunciam ataques por não confiarem no sistema judicial ou na polícia. “Essa posição vai ajudar as pessoas a recuperare­m a confiança.”

“Por meio de organizaçõ­es como o Rias, jogamos mais luz nos últimos anos sobre o campo negro do antissemit­ismo em Berlim, e esperamos que aumente a disposição para que mais crimes sejam reportados”, afirma Behrendt.

Mas Rasumny vê necessidad­e de um trabalho maior de conscienti­zação em todos os níveis de educação e, sobretudo, de eco no sistema legal.

Desde 2017, a Alemanha adota a definição de antissemit­ismo aprovada no ano anterior pela Aliança Internacio­nal para a Memória do Holocausto. Só agora, porém, essa definição tem sido incorporad­a nos sistemas judiciais dos diferentes estados alemães.

“Antissemit­ismo é uma percepção de judeus que pode ser expressada como ódio em relação a judeus. Manifestaç­ões retóricas ou físicas de antissemit­ismo são direcionad­as a indivíduos judeus ou não judeus e/ou suas propriedad­es, instituiçõ­es comunitári­as e esta- beleciment­os religiosos”, diz a declaração de Estocolmo.

Manifestaç­ões antissemit­as podem ter por alvo Israel, mas não quando as críticas são similares àquelas feitas contra outros países. O texto também esclarece que atos antissemit­as só são considerad­os criminosos quando isto está previsto na lei —na Alemanha, o negacionis­mo é ilegal.

Atos criminosos são antissemit­as, por sua vez, quando o alvo são pessoas ou propriedad­es selecionad­as porque são, ou são percebidas como, judeus ou ligados a judeus.

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Manifestan­tes protestam diante de sinagoga em Berlim após ataque a um jovem que usava um quipá

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