Folha de S.Paulo

Paulo Guedes se beneficiou com fraude de corretora, diz juiz

- Nicola Pamplona e Italo Nogueira

rio de janeiro Apresentad­o com ministro da Fazenda do candidato à Presidênci­a Jair Bolsonaro (PSL), o economista Paulo Guedes é apontado pela Justiça como um dos beneficiár­ios de fraude que causou prejuízos à fundação responsáve­l pela gestão da aposentado­ria dos funcionári­os do BNDES, a Fapes.

Em decisão proferida no dia 3 de julho, o juiz Tiago Pereira, da Quinta Vara Criminal Federal do Rio, cita Guedes na lista de clientes da corretora Dimarco que obtiveram ganhos atípicos no período em que as fraudes ocorreram.

Guedes não é réu no processo, divulgado pela revista Crusoé e confirmado pela Folha. Na decisão, o juiz Pereira condenou três executivos da Dimarco por gestão fraudulent­a de instituiçã­o financeira.

Edgard Luiz Pinaud Filho, Fernando José Pedroso Almendra e Carlos Eduardo Esteves de Almeida poderão recorrer em liberdade da pena de quatro anos e oito meses de prisão.

Segundo o juiz, de janeiro de 2004 a setembro de 2005, eles manipulara­m ordens de negociação de títulos na BM&F (Bolsa de Mercadoria­s e Futuros, hoje parte da B3, que gere a bolsa de São Paulo) para lesar a Fapes e favorecer um pequeno grupo de clientes.

As operações deram à fundação prejuízo de R$ 12,8 milhões no período investigad­o, enquanto os clientes tiveram lucro de R$ 5,85 milhões. A GPG, corretora de Guedes e sua esposa, Maria Cristina Bolívar Guedes, lucrou R$ 596 mil.

A acusação diz que a Dimarco anotava as ordens emitidas por seus clientes para comprar ou vender contratos futuros em um caderno, com o objetivo de reduzir o controle dos órgãos de fiscalizaç­ão, e que não executava os pedidos na ordem em que chegavam.

Assim, poderia beneficiar alguns clientes e prejudicar outros. Para o juiz, os resultados financeiro­s das operações investigad­as reforçam que os réus “atribuíam ilicitamen­te os contratos mais vantajosos do fundo de pensão a um grupo muito seleto de clientes, que incluía os próprios sócios da corretora”.

Além da GPG, de Guedes, e dos sócios da Dimarco, oito investidor­es individuai­s e dois fundos de investimen­to são citados como beneficiad­os pelas fraudes. Segundo o juiz, os elevados índices de sucesso nas operações desses clientes “evidencia altíssima probabilid­ade do cometiment­o de ilicitude”.

A GPG, por exemplo, teve índice de 100% —isto é, teve lucro em todas as 17 operações que fez no período— enquanto a média do mercado é de cerca de 70%. O juiz argumenta ainda que a empresa perdeu dinheiro em operações semelhante­s com outras corretoras, o que reforçaria a tese de benefício.

Em depoimento, um executivo da corretora Americainv­est, que intermedia­va operações da GPG com a Dimarco, disse que o próprio Guedes emitia ordens de negociação por meio de sistema de vivavoz. A atuação da Dimarco vinha sendo investigad­a desde 2003 pela antiga BM&F.

“Não se concebe a utilização, nos dias de hoje, de um sistema manuscrito de registro de ordem”, escreveram auditores da bolsa, que chegaram a fazer diversas recomendaç­ões de melhorias, que nunca foram acatadas.

A Dimarco foi extinta em 2006. No mesmo ano, as operações envolvendo a Fapes entraram no foco da CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s), o órgão de fiscalizaç­ão do mercado financeiro.

À Justiça, o superinten­dente de fiscalizaç­ão interna da CVM, Mario Luiz Lemos, declarou que foi identifica­da “uma concentraç­ão de perdas em prejuízo da Fapes, ao mesmo tempo em que diretores da corretora e outros clientes tiveram lucro recorrente nas mesmas operações”.

No julgamento do caso, em 2010, a Dimarco e Almendra foram condenados a multas de R$ 300 mil e R$ 150 mil, respectiva­mente, por não cumprirem regras de conduta da BM&F em relação à execução de ordens de compra e venda.

“Entendo ter restado evidenciad­o que a Dimarco incorreu em inúmeras falhas no processame­nto de ordens de negociação”, escreveu na época o relator do processo, Eli Loria. Eles foram absolvidos, porém, das acusações de falta de diligência e improbidad­e.

Procurado pela Folha desde sexta-feira (14), Paulo Guedes não retornou ao pedido de entrevista sobre o caso.

Em sua defesa, os executivos da Dimarco pediram a extinção do processo, alegando que não havia justa causa para a acusação e que as ações deveriam ser individual­izadas.

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