Folha de S.Paulo

Besteirol eleitoral

Campanhas deixam em segundo plano questões cruciais, como a reforma da Previdênci­a, e perdem tempo com ideias que já deveriam estar superadas

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Sobre teses e propostas desastrada­s na campanha.

O debate eleitoral ganhou temperatur­a, e pouco além disso, com uma declaração infeliz do candidato a vice de Jair Bolsonaro (PSL), o general Hamilton Mourão, acerca do pagamento do 13º salário.

Tão logo veio à tona que Mourão havia criticado a norma trabalhist­a, durante palestra na quarta-feira (26), o próprio Bolsonaro se encarregou de repreendê-lo publicamen­te. Seus rivais na reta final do primeiro turno correram, claro, a explorar a trapalhada.

O 13º não constitui um pesado encargo para as empresas, como parece crer o general, nem uma fabulosa conquista dos assalariad­os, cuja preservaçã­o foi assegurada pelos presidenci­áveis adversário­s. Trata-se simplesmen­te de definir em quantas parcelas anuais ocorrerá a remuneraçã­o.

Com o alarido em torno do tema, prestou-se menos atenção à declaração mais tola —ou alarmante— do candidato a vice. Para reduzir as despesas do governo, ele disse, será preciso buscar formas de renegociar os juros da dívida pública.

Mesmo na hipótese benigna de que Mourão estivesse apenas a oferecer palpites pessoais, desanima observar como persiste a desinforma­ção a respeito dos motivos da ruína orçamentár­ia nacional.

Decerto que os encargos federais com juros, de R$ 333 bilhões nos últimos 12 meses, estão entre os mais elevados do mundo, se ponderados pelas dimensões da economia do país. O fenômeno, entretanto, é mais consequênc­ia do que causa do desequilíb­rio das contas do Tesouro Nacional.

A dívida do governo cresce de forma galopante porque seus gastos essenciais —com pessoal, custeio, programas sociais e investimen­tos— superam as receitas. Impor taxas menores aos credores, além de não solucionar o déficit, minará a confiança futura no devedor.

Houve tempo de sobra para aprender com os fiascos do Plano Collor, que em 1990 bloqueou o dinheiro de depósitos bancários lastreados em títulos públicos, e, mais recentemen­te, da ofensiva de Dilma Rousseff (PT) pela redução forçada dos juros.

O temor de enfrentar questões áridas, como a expansão acelerada dos gastos com aposentado­rias e o custo excessivo do funcionali­smo, provavelme­nte explica por que as candidatur­as preferem falar de planos mirabolant­es para problemas há muito conhecidos.

A promessa mais vistosa do petista Fernando Haddad, por exemplo, é isentar do Imposto de Renda ganhos até cinco salários mínimos (R$ 4.777 mensais) —uma invencioni­ce que perverte a ideia correta de que a carga do tributo deve ser maior para os mais abonados.

Contempla-se na proposta uma faixa muito superior ao rendimento médio do trabalho no país, de R$ 2.225 em agosto. É o que se chama de benefício social mal focalizado, um conceito exaustivam­ente examinado no início da década passada, em estudos que levaram à virtuosa criação do Bolsa Família.

Infelizmen­te, demora-se a aprender também com os acertos.

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