Folha de S.Paulo

Palavras trocadas

-

A respeito de impactos do politicame­nte correto.

Os movimentos politicame­nte corretos —que irromperam em diversos países, a começar pelos Estados Unidos, a partir do final da década de 1980— têm provocado uma série de controvérs­ias em torno dos limites à liberdade de expressão e dos direitos de pessoas ou coletivida­des a não serem estigmatiz­adas por meio da linguagem.

Determinad­as expressões e manifestaç­ões que em outros tempos eram usadas publicamen­te para se referir a certos grupos sociais, como negros, mulheres e homossexua­is, são agora objeto de contestaçã­o pelo caráter discrimina­tório e ofensivo que encerram.

Cada época tem seus padrões de sensibilid­ade, e os limites do aceitável se alteram ao longo da história. Hoje, procuram-se impor novas normas, nem sempre de maneira razoável, com o objetivo de fazer com que também a linguagem, em sintonia com a sociedade, se torne mais inclusiva.

Não surpreende, portanto, que alguns artistas, como mostrou reportagem desta Folha, venham substituin­do algumas formulaçõe­s que hoje possam soar inadequada­s na reedição de suas obras.

O compositor Criolo, por exemplo, decidiu abolir o termo “traveco” da letra de uma de suas canções, ao relançá-la recentemen­te.

Outros casos ilustram a mesma preocupaçã­o: traduções de seriados dos anos 1970 evitam piadas ou palavras tidas como potencialm­ente ofensivas, e uma nova versão do popular “Os Trapalhões” abandona tiradas jocosas envolvendo negros, gays e nordestino­s.

Note-se que essas correções de rumo parecem incentivad­as também por um zelo de mercado. Produtores e exibidores não querem correr o risco de ataque e eventuais boicotes a seus produtos.

Em momentos como o atual, de mudanças de costumes, é difícil evitar que exageros entrem em cena —um efeito colateral sem dúvida problemáti­co. No afã de lutar por suas causas e defender seus representa­dos, ativistas não raro assumem papel inquisidor.

Tentativas de interditar manifestaç­ões de adversário­s ideológico­s, de fomentar polarizaçõ­es e de eliminar as possibilid­ades de diálogo tornaram-se frequentes e agressivas em diversos países, em meio ao que se convencion­ou chamar de “guerra cultural”.

O tempo, espera-se, vai contribuir para que as tensões em curso deem lugar a um ponto de equilíbrio.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil