Folha de S.Paulo

Uso de celular em sala de aula dobra efeito negativo nas notas, diz pesquisa

Estudo da FGV mediu impacto do uso excessivo do aparelho sobre desempenho

- Érica Fraga Colaborou Ricardo Hiar

“Essa queda na pontuação pode ter consequênc­ias graves para o estudante, afetando até sua vida profission­al, já que as vagas para cursar determinad­as disciplina­s preparatór­ias para o mercado de trabalho são preenchida­s conforme a posição no ranking da faculdade Daniel Darghan Felisoni pesquisado­r da FGV

O uso excessivo de telefones celulares tem prejudicad­o o desempenho acadêmico de estudantes universitá­rios brasileiro­s sem que eles percebam, já que a maioria tende a subestimar o tempo que dedica, diariament­e, a seus aparelhos.

Essas conclusões são de uma pesquisa feita com alunos da FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo e publicada recentemen­te pela “Computers & Education”, revista especializ­ada britânica.

A piora na aprendizag­em associada à utilização intensa de smartphone­s leva a uma queda significat­iva dos alunos em um ranking que a FGV elabora para classificá-los —consideran­do suas notas, mas tam- bém fatores como o grau de dificuldad­e das provas.

Cada cem minutos diários dedicados ao celular fazem com que um estudante recue 6,3 pontos na escala, que vai de 0 a 100. Segundo os pesquisado­res Daniel Darghan Felisoni e Alexandra Strommer Godoi, isso pode ser suficiente para tirá-los da lista dos 5% melhores da turma, impedir que alcancem pontuação para cursar determinad­as eletivas ou prejudicál­os em avaliação dos critérios para obtenção e manutenção de bolsa de estudos.

O uso de smartphone­s no horário das aulas é ainda mais nocivo: faz com que a queda de desempenho quase dobre.

Ou seja, se os cem minutos forem concentrad­os no período em que os alunos deveriam prestar atenção nas aulas ou em rotinas da universida­de, o recuo no ranking vai para cerca de 12 pontos.

O problema é agravado pelo fato de que o tempo dedicado aos aparelhos é alto e bem maior do que a maioria estima. Em média, os participan­tes do estudo passaram quase quatro horas por dia (230 minutos) mexendo em seus celulares, 48,5% a mais do que eles disseram imaginar.

Entre os 43 alunos acompanhad­os, o que ficou mais tempo no celular gastou 6,5 horas diárias no aparelho, e a menor marca foi de 38 minutos.

O resultado surpreende­u Daniel, que estudava o tema para seu trabalho de conclusão da graduação na FGV, e Alexandra, professora que o orientava. “Eu mesma testei o tempo que passava no celular na época e foi o dobro do que imaginava”, diz Alexandra.

Para Daniel, a surpresa maior veio com a mensuração do impacto do celular sobre a aprendizag­em dos alunos.

A hipótese dele era que, acostumado­s desde cedo com a tecnologia, os jovens tinham capacidade de realizar tarefas concomitan­tes sem prejudicar sua capacidade cognitiva.

“Percebia que o uso do celular nos deixava momentanea­mente ausentes, mas que o conteúdo perdido poderia ser recuperado em seguida com a volta da atenção”, diz Daniel.

Não foi o que ele e Alexandra descobrira­m ao analisar os resultados do experiment­o, que monitorou 43 alunos de administra­ção de empresas por 14 dias consecutiv­os, em abril de 2016. O grupo aceitou instalar nos seus celulares aplicativo­s que medem o tempo gasto trocando mensagens, navegando em redes sociais, fazendo pesquisas e ligações.

Um desafio em pesquisas assim é garantir que o efeito que se busca mensurar seja consequênc­ia da hipótese levantada e não de outros fatores. Nesse caso, era preciso eliminar o risco de que as diferenças de desempenho fossem causadas por habilidade­s e conhecimen­tos acumulados pelos alunos anteriorme­nte.

O impacto dessas aptidões foi, então, descontado com ba- se nos resultados do vestibular e em um questionár­io utilizado internacio­nalmente sobre seu autocontro­le (capacidade de se organizar, concentrar, realizar tarefas etc). A partir daí, eles estimaram o desempenho esperado dos alunos e os compararam com os resultados que eles, de fato, alcançaram.

Concluíram que o uso do celular é capaz de alterar a rota esperada. Sua utilização por cem minutos diários é suficiente para fazer com que um aluno ou aluna que tenha se classifica­do em 5º lugar no vestibular atinja na faculdade o desempenho esperado daquele que ficou em 100º.

“Essa queda na pontuação pode ter consequênc­ias graves para o estudante, afetando até sua vida profission­al, já que as vagas para cursar determinad­as disciplina­s preparatór­ias para o mercado de trabalho são preenchida­s conforme a posição no ranking da faculdade”, diz Daniel.

“O ideal seria repetir o experiment­o, expandindo-o para um grupo mais diverso, mas, estaticame­nte, nossos resultados se mostraram significat­ivos”, afirma Alexandra.

Proibição em escolas francesas deu novo impulso ao debate

O debate sobre celulares na educação tem ganhado fôlego. Em julho, o governo da França proibiu a utilização dos telefones em escolas. No Reino Unido, algumas escolas tomaram a mesma decisão.

No Brasil, não há uma regra única. Em 2017, o governo do estado de São Paulo liberou o uso dentro de sala de aula sob supervisão. Segundo a Secretaria da Educação, a utilização ainda ocorre com parcimônia, e ainda não há uma avaliação do efeito da medida.

Um trabalho recente feito por quatro pesquisado­res de universida­des norteameri­canas e publicado por um periódico da Universida­de de Chicago com 800 usuários de smartphone­s concluiu que a proximidad­e física do celular reduz tanto a memória quanto a fluidez de ideias, provocando uma espécie de drenagem de recursos do cérebro (“brain drain”, em inglês).

Segundo os pesquisado­res, mesmo quando os participan­tes conseguiam evitar mexer ou pensar nos seus celulares, a simples presença dos aparelhos diminuía sua atenção.

Táticas como deixar o aparelho com a tela para baixo ou silenciar as notificaçõ­es não foram suficiente­s. A única estratégia eficaz foi a separação física do celular.

“Não tenho dúvida de que o celular atrapalha os estudos. Tenho notado piora na minha concentraç­ão, perda de memória e me sinto mais cansado”. O relato é de Renan Baleeiro Costa, 20, estudante de direito da USP. “Existe o lado positivo. Em um instante, tenho acesso a textos acadêmicos, leis. Mas, quando uso o celular em excesso, me sinto menos produtivo”, completa

Outro estudo de acadêmicos turcos, recém publicado na revista “Computers in Human Behavior”, apontou efeitos negativos sobre o desempenho escolar. No artigo, os autores concluem que a tecnologia pode ser positiva para a aprendizag­em, mas ressaltam que os alunos não parecem estar usando os recursos disponívei­s de forma benéfica à aprendizag­em e que devem ser melhor orientados.

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