Folha de S.Paulo

A hora do compromiss­o

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Quem participa da eleição presidenci­al adere tacitament­e a um contrato com a nação. Obriga-se a aceitar o resultado soberano das urnas em caso de derrota e, na outra hipótese, a respeitar a Constituiç­ão e os direitos fundamenta­is ao conduzir o governo.

Em meio à crispação do ambiente de campanha e ao estrago desencadea­do pela recessão na economia, o aceno a ideias autoritári­as requer das duas candidatur­as ora mais competitiv­as algo além da aceitação presumida das regras do jogo, no entanto.

Chegou a hora de expressare­m compromiss­os definitivo­s com a democracia.

Jair Bolsonaro, do PSL, tem lançado suspeição infundada sobre o sistema eletrônico de votação. Estimula paranoias de manipulaçã­o, mas apenas para o caso de não ser ele o vencedor do certame.

O deputado federal pelo Rio de Janeiro precisa esclarecer ao país se vai continuar a se comportar como um nanico inconseque­nte ou se assumirá a maturidade necessária para colocar-se à altura da pretensão de governar o Brasil.

Não se toleram de um presidente brasileiro esse flerte grotesco com torturador­es, essa iconografi­a basbaque da pistolagem, esse deboche rudimentar das mulheres nem esse desprezo epidérmico pelas minorias os quais Bolsonaro tem patrocinad­o. É o momento de corrigir, em linguagem clara, esse conjunto de afrontas ao patrimônio civilizató­rio.

Os eleitores têm o direito de saber, antes da votação, o que prega a campanha do capitão reformado sobre as atribuiçõe­s do presidente da República. Pode desfechar um autogolpe e convocar uma constituin­te de notáveis, como afirmou seu candidato a vice? Pode atropelar votações no Congresso Nacional, como teorizou seu assessor econômico? A resposta da Constituiç­ão a essas duas perguntas é não. Qual é a de Jair Bolsonaro?

Manifestaç­ões de submissão ao enquadrame­nto democrátic­o também têm faltado a Fernando Haddad, do PT. O bordão “Eleição sem Lula é fraude”, cinicament­e silenciado agora, carece de desmentido público. A agressão constante a decisões legítimas da Justiça e do Congresso, bem como o recurso sistemátic­o à corrupção nas gestões petistas, ainda não foi objeto de autocrític­a da legenda nem de seu candidato.

Tampouco se viu ato de contrição petista pelo apoio incondicio­nal à atroz ditadura venezuelan­a, que produz um dos maiores desastres humanitári­os da história sul-americana. A atitude de Haddad e de seus companheir­os leva boa parte do eleitorado a desconfiar da profundida­de de seu compromiss­o com o Estado democrátic­o de Direito.

Perpassam as campanhas dos dois líderes nas pesquisas desejos de intimidar a imprensa, de reduzir o poder do Congresso e de alterar por meios oblíquos o modo de funcioname­nto do Supremo Tribunal Federal. A retórica de que haveria atalhos institucio­nais para resolver os graves problemas brasileiro­s não foi moldada na forma democrátic­a.

Não há solução fora desta Constituiç­ão.

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