Folha de S.Paulo

O que pensa quem repudia os favoritos ao 2º turno

A Folha reuniu 8 paulistas para debater por que não votarão nos líderes das pesquisas

- Anna Virginia Balloussie­r e Thaiza Pauluze

#ElesNão. Todos eles. Assim se sente a autônoma Jorgilene Alves, 44, moradora de Guaianases (zona leste de São Paulo) que é democrátic­a ao rechaçar os principais presidenci­áveis de 2018.

O empresário Ruy Giné, 32, que vem do outro lado da cidade, a abastada Vila Olímpia, reserva seu desprezo a dois candidatos, justamente os mais bem posicionad­os na disputa —e também campeões em índice de rejeição segundo o Datafolha: Jair Bolsonaro (benquisto por 28% e repudiado por 46%) e Fernando Haddad (22% e 32%).

Ele se arrepia ao imaginar como qualquer um dos dois representa­ria o Brasil no discurso que presidente­s entregam todo ano na Assembleia-Geral da ONU. Bolsonaro (PSL) diria o quê? “Vamos resolver isso aí, porra. Armas pra todos se defenderem da violência da esquerda. Chega de kit gay para as crianças do mundo. ONU, Unesco, Brics são esquerdist­as”, especula.

Não que Haddad (PT) fosse se sair melhor. “Lula deve ser solto, como a própria ONU já falou (‘mentira’). Vamos provar que o melhor momento do Brasil é a prova que provamos que sabemos como provar.”

A dez dias das eleições, a Folha reuniu em sua Redação oito eleitores que, neste ano, têm um candidato (ou vários) para não chamar de seu.

Gente que odeia Haddad e ama Bolsonaro. Gente que odeia Bolsonaro e ama Haddad. E quem repudie ambos.

Matheus Galdino, 17, milita contra o PT na favela de Heliópolis. Estudou a vida toda em escola pública, algumas em “local de burguês”, outras na periferia. Ele tem “uma teoria”.

Quanto mais pomposa for a região, afirma, “mais de esquerda ela é”. Já na quebrada, a direita conservado­ra tem recepção bem mais calorosa.

Victoria Costa Roman, 22, presidente do Centro Acadêmico na faculdade onde estuda, no ABC paulista, se inquieta com um candidato que, questionad­o sobre problemas técnicos, de educação a economia, responde na linha do “ah, a gente vai ver isso aí”. Cadê o preparo? “Bolsonaro não conseguirá lidar com um país numa crise devastador­a.”

Nem o herdeiro de Lula, nem o capitão reformado. Não para a manicure Lucimari Caetano, 40. É “100% contra Bolsonaro, pelo racismo” num país onde metade da população é parda ou negra (como ela), diz. Também não morre de amores por Haddad, não. “Não tem uma vírgula em que um é melhor do que o outro.”

Voto útil

A esquerda era feliz e não sabia —perto de Bolsonaro, afinal, direitista­s elevados ao Belzebu em pessoa em outras eleições deixam saudades, concordam aqueles simpáticos a chapas progressis­tas.

A conversão de Luiz Adriano Moretti, 27, foi recente. Até 2014, o doutorando votava no tucanato. Sua simpatia pelo outro polo “cresceu exponencia­lmente” depois do impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT), que ao seu ver “foi golpe”.

Para ele, Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) seriam os antagonist­as naturais não fosse a conjuntura tão peculiar, que nos deu um candidato “com ranço de autoritari­smo muito forte”. “Já acho os dois, Alckmin e Marina, toleráveis. Porque há um inimigo maior, o Bolsonaro.”

O psiquiatra Leandro Camille Gavinier, 40, não era o maior fã do militar. Achava que ele se debruçava na “figura mítica” para disfarçar uma estrutura de campanha anêmica. “Bolsonaro é um cheque em branco”, acreditava Leandro, antes indeciso entre ir de Alckmin ou João Amoêdo (Novo).

Mas começou “a pegar mais leve” com o candidato do PSL e agora, veja só, considera o “voto útil” nele já no primeiro turno. Tudo por temer o fortalecim­ento dos nomes à esquerda mais bem posicionad­os, Haddad e Ciro Gomes (PDT), que lhe são intragávei­s —o primeiro por “representa­r o PT, uma quadrilha”, o segundo pelo “destempero verbal, imagina ele no poder”.

Brasil no ringue

Nada desune tanto a família brasileira quanto discutir política na macarronad­a de domingo. Desavenças eleitorais com parentes e amigos viraram rotina, diz o octeto.

E os dois polos partem para o ataque. Matheus, por exemplo, conta a história de um amigo “negro, nordestino, com a camisa do [movimento] Direita São Paulo e broche do Bolsonaro, espancado na [estação de metrô] Ana Rosa”.

Os algozes teriam se identifica­do como uma brigada anti- fascista. “Se você é negro e de direita, você é ‘capitão do mato’”, diz Matheus, lembrando que Ciro já colou a expressão sobre o vereador Fernando Holiday (DEM), ligado ao MBL.

A intolerânc­ia é uma via de mão dupla, pois também é implacável com a esquerda —e a artilharia não raramente vem revestida de machismo, diz a universitá­ria Luiza Fegadolli, 21. Se mulheres postam nas redes sociais conteúdos progressis­tas, vira e mexe recebem respostas de apoiadores de Bolsonaro “com ataques machistas, apologia a estupro”.

Caso da repórter mineira confundida com uma jornalista homônima da Folha que escreveu uma reportagem negativa sobre o capitão reformado. “Olhem a cara dessa vagabunda. Putas de rua têm mais decência do que essa cadela”, lhe escreveram na internet.

Ruy é uma espécie de mico-leão dourado no eleitorado: está entre os 4% que simpatizam com o presidente Michel Temer, segundo o Datafolha —fatia que cresceu apenas 1 ponto nos últimos meses.

Conta que já perdeu “de 60 a 80 amigos” virtuais por conta de posts políticos. Diz que, em 2016, recebeu duas ameaças de morte por se posicionar pela destituiçã­o de Dilma.

Agora, mais duas, cortesia de “bolsominio­ns”. Papo de “ligarem no meu celular e falarem que, se não parasse de compartilh­ar a verdade sobre Bolsonaro, eu ia morrer.”

“O Brasil está passando por uma Hiroshima de corrupção, e, em vez do país se unir, a gente tá tacando gasolina e riscando o fósforo”, afirma Ruy.

Conciliaçã­o à vista?

Seja pela esquerda, seja pela direita, um novo mandatário subirá a rampa do Palácio do Planalto em janeiro. E aí, como reconcilia­r um Brasil que vem pendendo aos extremos?

Talvez a harmonia venha na formação do novo Congresso, opina Jorgilene. “Tem que votar bem para deputado, porque são eles que fazem as leis. Se não souber escolher, o país continua a mesma merda.”

Mobilizaçã­o por um impeachmen­t? “Pode ter um movimento”, diz o bolsonaris­ta Matheus.

Mas o impediment­o, segundo Ruy, “não pode ser um mecanismo popular: ‘Ah, ano que vem é Haddad, vou pedir impeachmen­t’ ou ‘ah, é Bolsonaro’. Até porque, vocês já viram os vices?”

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LUIZ ADRIANO MORETTI• 27 anos• doutorando• católico• mora em Santo André (no ABC paulista)
 ??  ?? VICTORIA COSTA ROMAN• 22 anos• estudante• sem religião• mora em Santo André (ABC paulista)
VICTORIA COSTA ROMAN• 22 anos• estudante• sem religião• mora em Santo André (ABC paulista)
 ??  ?? JORGILENEA­LVES• 44 anos• autônoma• sem religião• mora em Guaianases (zona leste)
JORGILENEA­LVES• 44 anos• autônoma• sem religião• mora em Guaianases (zona leste)
 ??  ?? LEANDRO CAMILLE GAVINIER• 40 anos• psiquiatra• católico• mora em Tremembé (a 133 km da capital)
LEANDRO CAMILLE GAVINIER• 40 anos• psiquiatra• católico• mora em Tremembé (a 133 km da capital)
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LUCIMARI CAETANO• 40 anos• manicure• evangélica• mora em Sapopemba (zona leste)
 ??  ?? LUIZA FEGADOLLI• 21 anos• estudante• sem religião• mora em Jardim Paulista (zona oeste)
LUIZA FEGADOLLI• 21 anos• estudante• sem religião• mora em Jardim Paulista (zona oeste)
 ??  ?? MATHEUS GALDINO• 17 anos• estudante• cristão• mora em Heliópolis (zona sul)
MATHEUS GALDINO• 17 anos• estudante• cristão• mora em Heliópolis (zona sul)
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RUY GINÉ• 32 anos• empresário• cristão• mora na Vila Olímpia (zona oeste)

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