Folha de S.Paulo

Política externa pode ser alvo de guinada brusca

Bolsonaro promete aproximaçã­o com EUA e Israel; Haddad quer resgate da diplomacia lulista

- Patrícia Campos Mello

Se um dos atuais líderes nas pesquisas vencer as eleições presidenci­ais, a política externa brasileira pode sofrer uma guinada drástica.

Jair Bolsonaro (PSL) promete um rompimento com posições diplomátic­as tradiciona­is do Brasil, enquanto Fernando Haddad (PT) propõe uma desconstru­ção da política externa dos últimos dois anos e o resgate da diplomacia lulista.

Com Bolsonaro, o elemento incerteza é maior —sem nomes óbvios em política externa, a campanha tem contado com colaborado­res informais e é difícil discernir o que é slogan eleitoral do que seria realmente posto em prática.

Fã declarado do presidente americano, Donald Trump, Bolsonaro já afirmou diversas vezes que quer aproximar o Brasil dos EUA e de Israel. “Os americanos tiveram um papel extraordin­ário na nossa história, impediram que nós virássemos uma Cuba em 1964”, disse ele, em vídeo neste ano.

O presidenci­ável emulou seu ídolo ao anunciar que gostaria de transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém e que pretende fechar a embaixada da Autoridade Palestina em Brasília. Nos dois casos, romperia com tradições diplomátic­as do Brasil e geraria hostilidad­e dos países árabes.

“A Palestina não é país, não deveria ter embaixada aqui. Não dá para negociar com terrorista”, afirmou em agosto.

O governo brasileiro reconheceu a Palestina como Estado independen­te em 2010.

Um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, é ainda mais assertivo em sua defesa de Israel. “Israel abriga em seu território milhões de árabes, dá água, dá hospital para eles”, disse. “Hamas, Hizbullah, esses são os verdadeiro­s terrorista­s. Israel não lança bomba para cima da Palestina”, afirmou em discurso na Câmara, em junho.

Em sua posição pró-Israel, Bolsonaro é influencia­do pelos evangélico­s e por alguns apoiadores da comunidade judaica conservado­ra, como Meyer Nigri, fundador da construtor­a Tecnisa, e o empresário Fábio Wajngarten.

“Esta viagem a Israel, Estados Unidos, Japão, Coreia e Taiwan mostra de quem seremos ser amigos; queremos nos juntar com gente boa”, disse Bolsonaro em evento em Taiwan, em março deste ano.

Sua viagem, aliás, causou uma saia justa diplomátic­a. Ele foi o primeiro presidenci­ável a visitar Taiwan desde que o Brasil reconheceu Pequim como “o único governo legal da China” em 1974.

Em carta, o governo chinês manifestou sua “profunda preocupaçã­o e indignação”, dizendo que a visita do deputado violava “o princípio de Uma Só China”.

Ao longo da campanha, Bolsonaro demonstrou desconfian­ça em relação à China.

“Está vindo um monte de chinês aqui comprar nossas terras, eles vão quebrar nossa agricultur­a e dominar nossa segurança alimentar”, disse em vídeo, neste ano. “A China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil.”

O guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, vem se reunindo com Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universida­de Columbia e colunista da Folha. Uma das principais ideias que Troyjo teria discutido com Guedes é a reemergênc­ia dos Estados Unidos como grande potência mundial e a metamorfos­e da China, país que está agregando valor a sua produção, com o Plano China 2030, e que está cada vez mais assertivo no cenário global, com projetos como One Belt, One Road.

Hussein Kalout, secretário de Assuntos Estratégic­os do governo Temer, é próximo do vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão (PRTB), e almoçou recentemen­te com ele e Guedes. Ele nega estar se aproximand­o da campanha, mas Marcos Degaut, seu sócio e secretário adjunto na SAE até agosto, afirma estar colaborand­o informalme­nte.

Degaut diz não ter sido contatado por ninguém do núcleo duro da campanha, apenas por pessoas próximas.

Ele é muito crítico ao Itamaraty, que acusa de manter tradições anacrônica­s e ênfase exagerada em multilater­alismo. “A OMC está em estado agonizante, até que ponto vamos continuar concentran­do nossos esforços nesse tipo de foro multilater­al?”

Alguns diplomatas são apontados como próximos de Bolsonaro ou de sua equipe. O embaixador aposentado Pedro Fernando Brêtas Bastos, colaborado­r do Centro de Estudos Político-Estratégic­os da Marinha, é amigo do general Augusto Heleno. “Ninguém vai falar sobre política externa antes do segundo turno”, disse Brêtas à Folha.

Ele afirmou que tem conversado com pessoas do entorno do candidato, de maneira informal. E ressalta a importânci­a da aproximaçã­o com países de língua portuguesa.

O programa de governo de Haddad promete uma volta da política externa “ativa e altiva”. “No governo Dilma, a política externa não deixou de ser altiva, talvez tenha sido um pouco menos ativa. Mas, depois, mudou completame­nte, foi um desastre”, disse à Folha Celso Amorim, chanceler durante o governo Lula (2003-2011) e um dos autores do programa de governo. “Teríamos um trabalho enorme de reconstruç­ão, muita coisa foi desfeita durante o governo golpista de Michel Temer.”

Mas Amorim afirma que o mundo mudou e eles se adaptaram. Ele fala na necessidad­e de reconstrui­r a Unasul, mas, segundo ele, poderia ser um outro organismo em novo formato, incluindo o México.

Indagado se a nova orientação ideológica no continente –a maioria dos governos agora são de centro-direita– não atrapalhar­ia na integração, Amorim é “paz e amor”. “Precisamos trabalhar com a diversidad­e, o importante é a capacidade de dialogar; [o ex-presidente da Colômbia Álvaro] Uribe, por exemplo, assinou a criação da Unasul.”

O ex-ministro diz preferir o multilater­alismo, mas admite que “não dá para por todos os ovos na mesma cesta”.

Com os Estados Unidos, com Trump ou sem Trump, é preciso ser pragmático, diz Amorim. “EUA são a maior potência do mundo, precisamos ter uma relação pragmática –é só lembrar como o relacionam­ento entre o ex-presidente Lula e o ex-presidente George W. Bush foi ótimo.”

A política externa de Geraldo Alckmin (PSDB) é tocada por Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington. O partido mantém algumas de suas bandeiras: foco na Ásia, China e Estados Unidos, segurança nas fronteiras, abertura da economia.

Mas há mudanças. Em vez de criar um ministério dedicado ao comércio exterior, como chegou a defender Barbosa, a Camex deveria centraliza­r a estratégia para o setor. O programa não mais defende que o Mercosul seja flexibiliz­ado para que os países possam buscar acordos comerciais de forma independen­te.

Alckmin defende a entrada na Parceria Transpacíf­ico e a continuaçã­o do processo de adesão à OCDE (organizaçã­o que reúne nações ricas).

O programa de política externa de Ciro Gomes (PDT) é formulado por Mangabeira Unger, ex-secretário de Assuntos Estratégic­os (governos Dilma e Lula).

Prega a inserção do Brasil nas cadeias produtivas globais com políticas de incentivo para a indústria de alta tecnologia e continuida­de na aposta no multilater­alismo. Para ele, a relação com os Estados Unidos precisa ser de parceria, e não de protetorad­o, como é hoje; e é preciso rejeitar uma relação neocolonia­l com EUA e China.

Ciro também se opõe à compra de terras brasileira­s por chineses e criticou investimen­tos da China em Angola.

Já Marina Silva (Rede) enfatiza o desenvolvi­mento sustentáve­l como linha mestra da política externa e eventual fonte de “soft power”. Crítica da política externa petista, ressalta a necessidad­e de não submeter a política a “relativiza­ções de cunho ideológico”.

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