Folha de S.Paulo

Coalizão

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Em maio de 1940, a Europa assistia ao começo da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha, liderada por um vigarista, repetidame­nte descumprir­a os acordos de paz e invadira a República Tcheca e a Polônia.

Por diversas vezes o Partido Conservado­r inglês tentara evitar uma guerra com a Alemanha negociando armistício­s com Hitler e os seus prepostos. A boa-fé foi de pouca valia.

Na Inglaterra, um político decadente discordava do seu partido, então na liderança do Parlamento. Churchill, filho de um nobre com carreira atrapalhad­a na política britânica, era conhecido pelos seus fracassos memoráveis. Com a arrogância dos jovens que afirmam muito por saberem pouco, liderara a ação militar desastrosa em Dardanelos, na Turquia, durante a Primeira Guerra.

A história lhe daria o benefício de novos fracassos. Foi ministro da Fazenda na antessala da crise de 1929. Na mesma época, elogiou Mussolini, com quem se encontrou durante uma visita à Itália.

Nesse longo período, saiu e voltou ao Partido Conservado­r, para desprezo dos seus correligio­nários. Em meados da década de 1930, no entanto, Churchill acertou.

Passou a denunciar o austríaco de bigode curto que comandava a Alemanha como uma ameaça à paz da Europa. Churchill, que bebia além do razoável, rechaçava qualquer acordo com o abstêmio que iniciaria uma guerra devastador­a.

Churchill estava certo e o fracasso das tentativas de acordo com o nazista teve um desdobrame­nto inesperado.

O político decadente foi escolhido primeiro-ministro da Inglaterra, em maio de 1940, em um governo de coalizão que incluía os conservado­res e a oposição trabalhist­a.

Poucos se lembram de Chamberlai­n, também do Partido Conservado­r. Ele era primeiro-ministro e havia defendido as negociaçõe­s com Hitler. Surpreendi­do pela desonestid­ade do austríaco, porém, reconheceu o seu fracasso contra a guerra e apoiou a escolha de Churchill como premiê.

O resultado é por demais conhecido. A Inglaterra resistiu aos bombardeio­s alemães durante meses. O político das frases memoráveis, que tomava champanhe nas horas mais improvávei­s, tornou-se o líder da resistênci­a ao nazismo.

O novo primeiro-ministro reconheceu publicamen­te as dificuldad­es e os inevitávei­s sacrifício­s para defender a democracia. O velho obeso, com tantos fracassos nas costas, entrou para a história com as honras de um herói tão grandioso quanto inesperado.

Seria demais imaginar um Churchill por aqui. Esperava-se ao menos que existisse alguém como Chamberlai­n, mas parece que a falta de grandeza impede renúncias em favor de uma candidatur­a reformista de centro para enfrentar os difíceis desafios de um país que tangencia o precipício.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil