Folha de S.Paulo

O Brasil do fenômeno Bolsonaro

Em sua história na política, ele não vendeu seus princípios

- Fernando M. Fernandes Bacharel em direito pela UFRJ e mestrando em ética e filosofia política pela UERJ

Para compreende­r o fenômeno Bolsonaro, precisamos romper com os estereótip­os e ir além da disputa rasteira que se tornou o debate público brasileiro. É necessário observar três aspectos: o primeiro é um fator histórico típico da realidade brasileira de nossos ciclos de mudanças; o segundo é o momento que a política internacio­nal vive; e, por último, devese observar a profunda mudança de perfil eleitoral que o Brasil está experiment­ando.

O dado histórico é que o Brasil vive ciclos de mudanças em seu cenário político que ocorrem a cada 30 anos. Há 30 anos, Collor chegou ao poder por um partido pequeno, o PRN, assim como Jânio Quadros, 30 anos antes dele, pelo minúsculo PTN. Em ambos os casos, esses ex-presidente­s enfrentara­m grandes estruturas partidária­s e venceram embalados pela onda de renovação, com campanhas baseadas especialme­nte no combate aos corruptos.

O movimento que vemos se fortalecer agora começou com as manifestaç­ões de 2013, indicou uma tendência para as eleições de 2014 e 2016, ganhou corpo com as revelações sobre o sistema criminoso institucio­nalizado na Era PT, exposto pela Operação Lava Jato e pelas manifestaç­ões pró-impeachmen­t de Dilma Rousseff.

Portanto, 2018 tende a ser o ápice de uma longa lista de acontecime­ntos que refletem uma mudança profunda e estrutural no perfil eleitoral do Brasil.

O eleitorado não suporta mais o “rouba mais faz”, deixou de ver no PSDB uma oposição real ao PT, substituiu majoritari­amente o jornal e a televisão e passou para as redes sociais.

Além disso, graças ao esforço e senso de oportunida­de ímpar do mercado editorial, passou a ter acesso a autores que antes eram absolutame­nte negligenci­ados, como Roger Scruton, Theodore Dalrymple, Thomas Sowell, dentre outros.

No plano internacio­nal, o Brasil está inserido no espírito da nossa época. Depois de um período longo de governos de esquerda na América Latina e de um projeto de hegemonia cultural fundado nas ideias de Antonio Gramsci (1891-1937), estamos vivenciand­o seu esgotament­o. Chile, Argentina, EUA, Holanda, Colômbia, Hungria, Paraguai e Peru são exemplos de países que viveram nos últimos anos uma guinada à direita.

O politicame­nte correto que calava parte consideráv­el de vários povos está perdendo poder. No Brasil, deixou de ser um horror se declarar conservado­r ou de direita. E despertamo­s para uma realidade: somos maioria. Mas, afinal, o que fez Jair Bolsonaro chegar aonde está?

Foi ele mesmo. Em sua história na política, Bolsonaro não aceitou cargos, não vendeu seus princípios, não serviu à mentira nem moderou a verdade. Nunca teve medo de perder o mandato e, fazendo oposição solitária no auge do governo Lula, acabou sendo nacionalme­nte reconhecid­o por seus posicionam­entos. O que, aliás, hoje lhe rende a fidelidade de seu eleitorado.

Frequentem­ente gostam de comparar Bolsonaro a Trump. E, de fato, podemos dizer que duas semelhança­s eles têm. Em primeiro lugar, o atual presidente americano falava aos desemprega­dos, aos miseráveis, desesperan­çados e às vítimas do sistema político americano, tornando-se acessível às necessidad­es da população. Além disso, seus eleitores foram tratados como “deplorávei­s” por seus adversário­s, pela mídia e por seus opositores.

Isso não é diferente do que se tem feito com os eleitores de Bolsonaro. O reacionári­o de Nelson Rodrigues, aquele que reage a tudo que não presta, deixou de ter vergonha de se posicionar. Resolveu enfrentar o politicame­nte correto, resolveu ir às ruas e fazer campanha de graça. Eleitor ferido é eleitor aguerrido e motivado.

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