Folha de S.Paulo

A medida de cada um

Avaliação objetiva de cobertura ofereceria parâmetros a editores e a leitor

- Paula Cesarino Costa

No início pelo componente quase folclórico, depois pelas frases polêmicas e o apoio crescente de parcela da população e mais recentemen­te em razão do atentado que sofreu, o candidato do PSL à Presidênci­a, Jair Bolsonaro, tem dominado o noticiário eleitoral.

Na última semana, a Folha publicou reportagem que informava que Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher de Bolsonaro, afirmou ao Itamaraty, em 2011, ter sido ameaçada de morte por ele e, por isso, deixara o Brasil. O relato consta de um telegrama reservado a que o jornal teve acesso. Ana Cristina negou o fato e atacou a Folha nas redes sociais.

Na quinta, a revista Veja obteve informaçõe­s sobre o processo de separação do então casal e divulgou que a primeira ex-mulher acusara Bolsonaro de furto de cofre, ocultação de bens e relatou “comportame­nto explosivo” e “desmedida agressivid­ade”. A Folha resumiu o conteúdo dessa reportagem em sua edição de sexta.

Recebi muitas mensagens de leitores criticando as publicaçõe­s e questionan­do o equilíbrio e a imparciali­dade da Folha em particular. Um leitor afirmou que “nesta eleição a Folha não está sendo apartidári­a coisa nenhuma: é escancarad­amente contra Bolsonaro. E isto é opção pelo seu concorrent­e no segundo turno, seja qual for. Portanto, a Folha mente quando diz que não tem um lado”.

Outras acusações de parcialida­de miravam as páginas de opinião, nas quais leitores também viram desequilíb­rio nas escolhas dos articulist­as.

Discordo das críticas principais, mas avalio que o jornal precisa afinar melhor seus controles. A busca radical por equilíbrio deve estar nas pequenas e nas grandes decisões.

Dois exemplos da última sexta-feira ilustram essa questão: 1. Em alguns momentos a versão digital da Folha tinha como destaque quase em sua totalidade apenas notícias relacionad­as a Bolsonaro e a maioria delas era negativa; 2. Já após essa avalanche de críticas, o jornal ignorou vídeo em que a primeira ex-mulher

de Bolsonaro faz uma defesa do ex-marido.

É bom registrar que também recebi críticas de leitores que viram favorecime­nto à candidatur­a de Bolsonaro pelo fato de o jornal noticiar, “como se ele já estivesse eleito”, planos de governo do candidato e de seu economista-símbolo.

Pesquisa Datafolha, entretanto, mostrou que 75% dos leitores da Folha avaliam que o jornal não está favorecend­o nenhum candidato e 77% afirmam que nenhum deles está sendo prejudicad­o.

A imparciali­dade da Folha na cobertura eleitoral foi um dos aspectos positivos mais citados espontanea­mente: 28% identifica­ram essa caracterís­tica. Em sentido contrário, 22% mencionara­m a parcialida­de como ponto negativo.

Na avaliação do secretário de Redação da Folha Vinicius Mota, “seja no noticiário, seja na publicação de artigos e entrevista­s, o jornal se preocupa com o equilíbrio das menções que possam ter impacto crítico ou favorável aos candidatos nas eleições que estão sendo disputadas neste ano”.

Ele afirma que, como as notícias e o resultado de apurações de repórteres às vezes se impõem pela importânci­a, pode haver percepção de desequilíb­rio se a análise ficar restrita a um curto período de tempo.

Para chegar a uma avaliação do todo, informou, a Folha está contabiliz­ando todas as suas publicaçõe­s, incluindo as de artigos de opinião, desde o início das campanhas e publicará o balanço final tão logo

o processo termine, como faz em todas as eleições.

Uma repassada nas edições impressas da Folha mais recentes, desde o início de setembro, mês em que Bolsonaro foi esfaqueado e Fernando Haddad (PT) oficializa­do candidato, é elucidativ­a.

Até o dia 29, 20 manchetes tratavam de assuntos relacionad­os mais diretament­e à eleição. Sem considerar as que relatavam os números das pesquisas de intenção de voto (que foram 4), 7 envolviam Bolsonaro, 3 eram sobre PT, 1 sobre Alckmin e outra sobre apelo de FHC ao centro. Ciro Gomes (PDT), a terceira força eleitoral, teve pouco destaque na Folha.

A busca pela imparciali­dade e pelo equilíbrio tem certo grau de subjetivid­ade. É natural que o candidato líder receba mais atenção e tenha propostas mais esquadrinh­adas. Sua liderança move o interesse por seus passos e projetos.

É serviço do jornal expor aos leitores ideias e ações do passado dos candidatos. No entanto, ainda mais em eleição tão indefinida, é obrigação do jornal abrir suas páginas à discussão de alternativ­as.

Seria mais útil à Folha e aos leitores se fossem divulgadas periodicam­ente, ao longo do pleito, a quantifica­ção e a avaliação qualitativ­a de textos noticiosos e opinativos. Seriam ferramenta­s técnicas e objetivas para os editores e balizadora­s para o acompanham­ento dos leitores. A divulgação após a eleição é menos valiosa. Engenheiro de obra pronta não corrige muro desalinhad­o.

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