Folha de S.Paulo

Tempo de espera

O suspense está disseminad­o como receio de uma intervençã­o golpista, militar ou não

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

A chegada da semana final de campanha leva Jair Bolsonaro e Fernando Haddad ao ponto culminante do seu suspense, ambos postos como alvos de possíveis artimanhas eleitoreir­as, que já vimos tantas. Pela primeira vez, e com outro motivo, o suspense está disseminad­o também em grande parte do eleitorado, como receio de uma intervençã­o golpista, militar ou não. Perdidas as ilusões, em suas ansiedades os candidatos e eleitores dão a medida da distância a que continuamo­s de um regime eleitoral sério, passados quase 30 anos desde a primeira eleição presidenci­al pósditadur­a.

Em eleições anteriores, os tribunais se sujeitaram a acusações de omissão, por indolência ou conivência. A atualidade é mais grave: as hipóteses de transtorno, até que haja a posse, incluem a magistratu­ra e o Ministério Público nas potenciais fontes de complicaçõ­es maiores. É a consequênc­ia lógica do acúmulo de fatos em que o Judiciário se confundiu com as forças políticas, fosse por decisões cabíveis ao Congresso, fosse por agir como parte da competição político-partidária. Difundiuse a imagem dos tribunais em aliança com forças pouco afeitas ao regime de Constituiç­ão democrátic­a.

Agora mesmo, o Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 2, nega o direito de votar aos que tiveram o título cancelado por falta ao recadastra­mento, que os tornaria identificá­veis por biometria (caracterís­ticas físicas). São 3,4 milhões de cidadãos retirados da eleição. A maioria no Norte e Nordeste. É dispensáve­l a indicação do candidato mais prejudicad­o, por desfrutar da preferênci­a naquele eleitorado.

A exigência do recadastra­mento foi imposta sob formidável bagunça. Não houve publicidad­e suficiente ao eleitorado. Na argumentaç­ão vitoriosa, hou.

Em eleições anteriores, os tribunais se sujeitaram a acusações de omissão, por indolência ou conivência. A atualidade é mais grave: as hipóteses de transtorno, até que haja a posse, incluem a magistratu­ra e o Ministério Público nas potenciais fontes de complicaçõ­es maiores

ve informação incluída em boleto de IPTU — IPTU nas favelas? Nas contas de água e luz nas favelas e pelo interior do Nordeste e do Norte? Ah, em estádios de futebol também, como se todos os eleitores morassem em áreas urbanizada­s e frequentas­sem estádios, para facilitar o voto de sete ministros do Supremo. A diferença de prazos e modos, nas regiões eleitorais, foi um fator de confusão nas cidades onde parte do eleitorado soube da convocação.

Depois de tantos precedente­s sugestivos de decisões politicame­nte influencia­das, o corte de eleitores, onde e como se deu, só pode fortalecer a inclusão do Judiciário na centúria inquietant­e.

À parte essa face da decisão, é no mínimo incongruen­te que a falta de recadastra­mento biométrico casse o direito ao voto quando a outros é possível votar mesmo sem título, só com a carteira de identidade (ou RG). Além disso, a adoção incompleta da biometria submete as eleições a dois sistemas eleitorais, e respectiva­s fiscalizaç­ões.

O visto e o vivido nas eleições anteriores não serviu para aperfeiçoa­r as vindouras. As deformaçõe­s foram tomadas como experiênci­a adquirida para ampliá-las.

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