Folha de S.Paulo

‘Nessas horas cabe lembrar que não estamos sozinhos’

- Vera Iaconelli Colunista da Folha e especialis­ta em maternidad­e

Contrarian­do as leis da física, passei pela experiênci­a única de estar em dois lugares ao mesmo tempo neste memorável 29 de setembro de 2018.

Não, eu não fui à manifestaç­ão do #EleNão. Confesso, e o faço publicamen­te, talvez com o intuito de ser execrada. Sinto-me execrável mesmo. Informo em minha defesa que não fui por um motivo nobre, que não será revelado aqui. Nobreza que tampouco me traz alívio. Um compromiss­o assumido anteriorme­nte, que valeu a pena, obrigou-me a escolher.

Ainda assim, posso provar que fui.

Faz semanas que só falo e penso nos eventos que se avizinham: manifestaç­ões e eleições. Nas palestras que tenho dado, não consigo pensar em outros exemplos senão os que falam do fascismo, da formação da personalid­ade autoritári­a, de desigualda­de social, de misoginia.

Estou terrivelme­nte repetitiva. Sou o samba de uma nota só: #EleNão, #EleNão e segue com o mesmo refrão.

Chegado o dia de tão esperado evento e longe de São Paulo, passei a receber de minhas filhas, initerrupt­amente, fotos, vídeos e consideraç­ões sobre a manifestaç­ão. Fiquei emocionada.

Estranha inversão. Agora eram elas que levantavam a bandeira feminista, democrátic­a e antirracis­ta. Não preciso mais levá-las pelas mãos, preocupada em explicar o que acontece. Foram elas que me levaram, com seu entusiasmo, a dividir esse momento com todos os brasileiro­s que torcem pela democracia.

Somos muitos, amamos este país, queremos o melhor, mas precisamos pensar nas formas que se propõem a levar todos os brasileiro­s –e imigrantes– em consideraç­ão.

Em momentos como esses, em que a esperança fraqueja, cabe lembrar que não estamos sozinhos. Essa manifestaç­ão, na qual, obviamente, os partidos não se furtavam a fazer sua propaganda eleitoral, o clima de solidaried­ade foi o tom.

Obrigada minhas filhas, por me levarem à manifestaç­ão com vocês. E a todos que estando lá e as fizeram perceber que “a solidaried­ade é a coisa mais emocionant­e entre humanos (sic)”.

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