Folha de S.Paulo

Ao impedir entrevista de Lula, Fux julgou pedido que era para Toffoli

STF não esclareceu circunstân­cias que levaram ministro a decidir no lugar de presidente da corte

- Reynaldo Turollo Jr.

O pedido protocolad­o pelo partido Novo no STF (Supremo Tribunal Federal), às 19h10 desta sexta-feira (28), para impedir que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desse entrevista à Folha na prisão foi registrado para apreciação do presidente da corte, Dias Toffoli, mas foi julgado pelo vice, Luiz Fux. Procurado, o STF não esclareceu o motivo.

Fux atendeu ao pedido do Novo e suspendeu decisão de seu colega Ricardo Lewandowsk­i que, na manhã de sexta, havia autorizado Lula a dar a entrevista.

A assessoria do Supremo informou que o presidente da corte estava ausente. Toffoli viajou a São Paulo nesta sexta. O artigo 14 do regimento interno do tribunal estipula que “o vice-presidente substitui o presidente nas licenças, ausências e impediment­os eventuais”.

É comum, porém, que ministros despachem a distância, porque os processos são eletrônico­s. O Supremo foi procurado, por meio de sua assessoria de imprensa, para explicar os motivos da ausência do presidente, mas não respondeu.

A corte também foi questionad­a sobre se Fux despachou do tribunal ou a distância, mas não houve resposta.

A decisão de Fux deverá ser analisada pelo plenário do STF, o que não tem data para ocorrer. Nela, o ministro afirmou que a regulação da livre expressão de ideias, principalm­ente no período eleitoral, protege o bom funcioname­nto da democracia. “A desinforma­ção do eleitor compromete a capacidade de um sistema democrátic­o para escolher mandatário­s políticos de qualidade”, considerou.

“No caso em apreço, há elevado risco de que a divulgação de entrevista com o requerido Luiz Inácio Lula da Silva, que teve seu registro de candidatur­a indeferido, cause desinforma­ção na véspera do sufrágio, consideran­do a proximidad­e do primeiro turno das eleições presidenci­ais.”

Além de ter vetado a entrevista, Fux determinou que, se ela já tivesse sido realizada, sua divulgação estava censurada.

“A decisão do ministro Fux é o mais grave ato de censura desde o regime militar. É uma bofetada na democracia brasileira. Revela uma visão mesquinha da liberdade de expressão”, disse Luís Francisco Carvalho Filho, advogado da Folha.

O Novo, adversário do PT nas eleições, sustentou no pedido que o partido tem apresentad­o Lula recorrente­mente como integrante da chapa que disputa a Presidênci­a, o que desinforma os eleitores. Lula foi barrado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com base na Lei da Ficha Limpa, e o PT lançou Fernando Haddad em seu lugar.

O ex-presidente está preso em Curitiba desde abril, e a Justiça local tem proibido que conceda entrevista­s. A Folha apresentou ao Supremo uma reclamação contra uma dessas decisões sustentand­o que ela limitava a liberdade de expressão e o exercício do jornalismo. Lewandowsk­i havia concordado com o argumento na decisão agora suspensa.

Um dos pontos que o plenário poderá enfrentar é se cabe a um ministro da corte derrubar, monocratic­amente (individual­mente), decisão de um colega.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) disse neste sábado (29) que a disputa em torno do pedido da Folha não deve ser resolvida no calor das paixões políticas.

Em nota, o presidente da organizaçã­o, Domingos Meirelles, cita a defesa da liberdade de expressão, mas também a proibição legal entrevista­s de detentos, permitindo que se comuniquem só por escrito.

“Mesmo diante dessa restrição legal, condenados por crimes comuns como Marcinho VP, Fernandinh­o Beira-Mar e o ex-goleiro Bruno aparecem constantem­ente em revistas e programas de televisão falando descontrai­damente sobre sua trajetória pessoal até serem alcançados pelo braço da lei”, diz o texto.

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