Folha de S.Paulo

Ucrânia vira destino de brasileiro­s que estão em busca de barriga de aluguel

Genitores devem ser heterossex­uais e legalmente casados; processo pode custar até R$ 250 mil

- Gabriel Alves Colaborou Flávia Mantovani

A Ucrânia, com seus 604 mil km² (um pouco maior do que o estado de Minas Gerais) e população de 42 milhões de pessoas, tornou-se destino de pais e mães em busca de barriga de aluguel graças ao preço atraente, quase metade do valor cobrado nos Estados Unidos.

Conta também a favor da ex-república soviética o fato de que alguns países que antes permitiam a prática para estrangeir­os, como Índia e México, passaram a impedila nos últimos anos. Outros países que permitem a contrataçã­o de barriga de aluguel são Albânia, Rússia e Grécia.

Enquanto na Ucrânia os custos médicos e a remuneraçã­o das gestantes sai entre US$ 48 mil (R$ 194 mil) e US$ 63 mil (R$ 255 mil), nos EUA esse valor não fica abaixo de US$ 80 mil (R$ 323 mil), e pode chegar a US$ 130 mil (R$ 525 mil).

Isso tudo, claro, sem contar gastos com passagens, hospedagem e eventuais extras, como um período mais longo na UTI neonatal, por exemplo.

O casal Roberto, 38, e Vivian, 37, da cidade de Presidente Prudente (SP), voltou da Ucrânia com um casal de gêmeos, mas conta que a jornada não foi fácil.

O engenheiro e a fonoaudiól­oga já tinham passado por três tentativas frustradas de fertilizaç­ão in vitro no Brasil antes de começarem a pensar em tentar usar uma barriga de aluguel fora do país.

Foi em meados de 2016 que a possibilid­ade ganhou força, após assistirem a uma palestra sobre o tema. Os dois venderam um imóvel e embarcaram na primeira de algumas viagens para a Ucrânia em outubro daquele ano. Lá conheceram o hospital e selecionar­am a barriga de aluguel.

Para poder ceder o útero, a voluntária tem que ter boas condições de saúde e ter tido filho em um parto descomplic­ado. A remuneraçã­o recebida por elas fica entre US$ 25 mil (R$ 101 mil) e US$ 30 mil (R$ 121 mil), segundo Bruna Alves, diretora no Brasil da agência israelense Tammuz. A empresa atua em vários países, conectando futuros pais a advogados e clínicas e hospitais especializ­ados.

“Geralmente são mulheres que só falam ucraniano e que vão usar o recurso para comprar uma casa ou pagar a faculdade dos filhos”, diz.

Com cinco embriões gerados, a primeira tentativa de Roberto e Vivian de engravidar­em a barriga de aluguel ucraniana, em novembro de 2016, não vingou. Acontece. Não há estatístic­a confiável, mas não é raro que novos esforços sejam necessário­s.

Os dois resolveram tentar pela segunda vez, com a mesma mulher, aproveitan­do embriões restantes.

Depois do segundo insucesso, Vivian teve de passar novamente pelo tratamento hormonal para retirar mais folículos e, depois, fecundá-los com espermatoz­oides do marido.

Para a sua sorte, tinham optado pela modalidade “garantida”— por um custo maior, são feitas tantas tentativas quantas forem necessária­s até que aconteça uma gravidez e o bebê efetivamen­te nasça.

Foram formados meia dúzia de embriões, só um do sexo masculino. Dada a normalidad­e dos exames da voluntária, decidiram tentar uma última uma vez com ela. Uma substituiç­ão poderia agregar mais alguns meses à ansiedade do casal. “Escolhemos colocar o menino e uma menina, um casal”, conta Roberto.

Deu certo. Em 23 de abril de 2018 receberam a notícia: o parto era iminente e precisaria­m embarcar para a Ucrânia. A menina nasceu bem, forte, mas o menino ainda precisou ficar dez dias na UTI por causa de um problema no pulmão, corrigido mais tarde.

O registro e o passaporte dos bebês, conta o pai, ficaram prontos de um dia para o outro. A família voltou ao Brasil e os bebês hoje estão saudáveis, com cinco meses de vida.

Quarenta e cinco famílias espanholas, com bebês nascidos na Ucrânia, porém, não tiveram a mesma sorte. Desde agosto algumas delas aguardam o registro dos filhos. O país ibérico, que tem regras de fertilizaç­ão mais rígidas, desaconsel­ha o uso de barriga de aluguel, embora afirme que agirá “no melhor interesse dos menores”.

À Folha o Ministério de Relações Exteriores da Espanha afirma que 44 bebês já foram registrado­s e 22 passaporte­s, emitidos. “O restante deve receber o passaporte nas próximas semanas.”

A busca pela Ucrânia se intensific­ou nos últimos dois anos, conta Bruna Alves, diretora da agência Tammuz, mas é uma opção válida apenas para quem é heterossex­ual e legalmente casado.

O bebê tem de ter vínculo genético com algum dos pais (há possibilid­ade de usar óvulos ou espermatoz­oides doados) e a impossibil­idade de o casal ter filhos deve ser atestada por um médico.

No Brasil a barriga solidária (ou cessão temporária de útero) é permitida, mas tem de vir de alguma parente de até quarto grau (como tia ou sobrinha) —caso contrário, precisa da autorizaçã­o do CFM.

Grupos em rede sociais sobre o tema sugerem ainda outras alternativ­as para burlar a regra: registrar o filho com o nome da barriga de aluguel como mãe e do pai biológico como pai (com quem o bebê ficaria, afinal) ou fazer o registro em cidades pequenas, sem a declaração de nascido vivo (DN), como se a mulher do casal infértil tivesse dado à luz naturalmen­te —ambas alternativ­as carecem de amparo legal ou de garantias para os genitores.

Não é permitido, no país, qualquer tipo de remuneraçã­o a essas mulheres, embora não seja difícil, em redes sociais, encontrar interessad­as cobrando valores que vão de R$ 20 mil a R$ 180 mil.

“Um casal de São Paulo me procurou com uma proposta, mas fiquei receoso. As pessoas te veem como um cifrão”, conta o empresário Gilberto Alfama, de Ijuí (RS). Ele e mulher, Neiva Prestes Alfama, 42, passaram por três ciclos de reprodução assistida, até que ela perdeu o útero após uma gravidez ectópica (o embrião se implantou nas trompas).

Restaram dois óvulos congelados, que eles pretendem usar na Ucrânia.

O advogado especialis­ta em direito à saúde Silvio Guidi explica que a regulação brasileira do útero de substituiç­ão é amparada apenas no CFM e que o Legislativ­o ainda não se posicionou quanto ao tema, deixando margem para interpreta­ção dos juízes.

“Sem atender aos critérios do CFM, não há garantia que aquele que contrata uma barriga de aluguel tenha direito de buscar o reconhecim­ento legal da paternidad­e. Mesmo se houver contrato, ele é juridicame­nte nulo. Para todo os efeitos, a mãe é a que está gestando”, diz o advogado Alessandro Fonseca, sócio da área de direito de família do escritório Mattos Filho.

A Constituiç­ão proíbe todo tipo de venda de substância­s humanas, e o Código Civil diz que, salvo por exigência médica, é proibido dispor do próprio corpo quando isso gera “diminuição permanente da integridad­e física ou contrariar os bons costumes”.

Para Silvio Guidi, é polêmico caracteriz­ar um útero como “substância humana” ou dizer que uma a gravidez de uma barriga de aluguel causa dano permanente. “Tratase, em essência, da locação de um espaço, o útero.”

“Fiquei impression­ado com os hospitais, o atendiment­o foi ótimo. No 7º mês contamos para os parentes e alguns se interessar­am no processo, mas não é algo barato. Estamos muito felizes, mas, ao menos por ora a fábrica está fechada Roberto, 38 pai de um casal de bebês que nasceu em abril na Ucrânia

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Reprodução Material de divulgação da clínica ucraniana BioTexCom, que tem representa­ções em diversos países, como o Brasil
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