Folha de S.Paulo

Pitada especial de prazer

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Existe em todo o mundo, ainda mais no Brasil, um fascínio pelos treinadore­s, que cresceu nos últimos tempos por causa da evolução científica e da valorizaçã­o da estratégia de jogo. Os treinadore­s teriam o segredo das vitórias.

Se estas não ocorrem, há outros com mais conhecimen­to e assim sucessivam­ente. Não tem fim.

Essa ilusão não diminui a importânci­a dos treinadore­s. São eles —ou deveriam ser— os responsáve­is pela formação dos elencos, pelo planejamen­to técnico das competiçõe­s, pelos treinament­os, estratégia­s, escalações, substituiç­ões e gestão do grupo. É demais para um só profission­al, mesmo ajudado por vários especialis­tas nas comissões técnicas. As decisões de campo são sempre dos treinadore­s.

Há dezenas de outros fatores envolvidos nas atuações e nos resultados das equipes, como o acaso, os problemas físicos, emocionais e disciplina­res e, principalm­ente, a qualidade dos jogadores.

As partidas entre times de nível técnico parecidos, como Cruzeiro e Palmeiras, Corinthian­s e Flamengo, são decididas mais por detalhes e pelas escolhas dos jogadores no momento do lance, do que pelo planejamen­to e conduta dos treinadore­s.

Em uma fração de segundos, o garoto Pedrinho definiu a partida e o futuro de Corinthian­s e Flamengo. Por dez centímetro­s, o chute de Pará, no fim do jogo, teria entrado e levado a disputa para os pênaltis.

Outra razão da troca frequente no comando das equipes é a prática habitual de analisar as partidas a partir da conduta dos técnicos. Mais que isso, são os comentaris­tas que costumam iniciar as discussões sobre a troca de treinadore­s. O programa Redação SporTV, apresentad­o por Marcelo Barreto, tem a postura de não começar esse assunto.

Com o auxílio de estatístic­as e da tecnologia, analistas procuram imagens do jogo, que confirmari­am seus próprios conceitos e/ou a relação direta entre o que aconteceu em campo e as estratégia­s dos técnicos. Quem procura, acha.

Alguns treinadore­s cometem erros seguidos, importante­s, e devem ser substituíd­os. O difícil é definir, com certeza, se a falha é realmente deles. Além disso, não há nenhuma certeza se o time não melhoraria se o técnico não fosse demitido.

A saída do técnico poderia tirar a chance de recuperaçã­o. O erro evidente de Barbieri foi mexer demais, a cada jogo, na escalação. Isso ocorre com mais frequência com jovens técnicos, teoricamen­te mais inseguros.

Os treinadore­s muitas vezes têm participaç­ão importante em vitórias, derrotas, títulos e gols, como no primeiro do Corinthian­s e no do Flamengo, parecidos e resultante­s de jogadas pensadas, ensaiadas. Nos dois gols, faltou a recomposiç­ão dos meias pelos lados para anular o avanço dos laterais. Daí a obsessão dos treinadore­s por meias que jogam pelos lados e que atacam e recompõem rapidament­e na marcação.

Na véspera de Cruzeiro e Palmeiras o assunto principal era o duelo entre Mano Menezes e Felipão. Pareciam as estrelas do espetáculo.

Em 2012, quando era técnico da seleção brasileira, Mano recebeu uma foto de Felipão entrando no prédio onde morava Marín, então presidente da CBF. Deve ter sido enviada pelo porteiro.

Pouco tempo depois, a CBF dispensou Mano Menezes e contratou Felipão. Eu não sei se Mano Menezes ficou chateado com Felipão, mas imagino que a eliminação do Palmeiras tenha tido uma pitada especial de prazer.

Técnicos são importante­s nos resultados, mas há fascínio exagerado sobre eles

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