Folha de S.Paulo

Carolina Ferraz Não voto há 16 anos; vou lá e anulo

Atriz não sente afinidade por partidos, afirma que fazer cultura no Brasil é difícil e diz trabalhar por mais igualdade para as filhas: ‘Agora as protagonis­tas são as mulheres’

- Bruno B. Soraggi

“Você viu isso na Wikipedia? Jura?!”, surpreende-se Carolina Ferraz ao ser perguntada pela coluna se seu pai foi morto por um pistoleiro em Goiânia (GO). “Sim, ele foi assassinad­o. E meu irmão morreu de Aids”, diz a atriz de 50 anos sobre as informaçõe­s que constam na página da enciclopéd­ia virtual dedicada a ela.

“Os homens tiveram mortes violentas na minha família, infelizmen­te”, lembra. “Mas já faz muito tempo. Eu convivo muito bem com a minha vida, a minha história. Nunca fui vítima das minhas tragédias.”

“As mulheres [da família] sobreviver­am. Superamos os problemas. Minha mãe que tomou conta desse barco e levou ele adiante”, conta a atriz sobre a matriarca, ex-professora que atualmente tem 80 anos. “É uma mulherada toda à minha volta [risos].”

Carolina é mãe de Valentina, 23, e Izabel, 3, frutos de dois casamentos diferentes. “A melhor coisa que eu já fiz até hoje é ser mãe das duas”, afirma. “É muito interessan­te o que os filhos provocam na gente também. Como é maravilhos­o eu ter tido essa filha agora. É uma injeção de juventude, né? Inclusive os hormônios todos, fica tudo tinindo.” Para ela, criar uma criança atualmente é mais difícil do que no passado. “Mas só sei disso porque eu tive uma 20 anos atrás. Naquele momento eu achava que o mundo estava no ápice da modernidad­e, que as coisas eram sensaciona­is”, compara. “Hoje tudo muda muito mais rápido.”

Daqui a 20 anos, Carolina espera que suas filhas vivam em uma “sociedade mais igualitári­a”. “Estamos trabalhand­o para que sim, né?”, afirma a atriz.

“Durante muitos anos os homens foram protagonis­tas da narrativa. Agora as protagonis­tas são as mulheres. Os rapazes vão ter que entender isso. Não significa que vá diminuir a presença do homem. Mas é bom que haja essa inversão. Se não, fica monótono.”

Carolina diz achar “assédio um saco”. “É careta, caído. Um exercício idiota de poder muito obtuso.” Formada em balé e já tendo trabalhado como modelo, ela afirma nunca ter sido vítima de um episódio do tipo. “Tenho amigas que passaram por situações bastante constrange­doras. É uma situação que durante muito tempo foi velada, e é bom que se revele.”

“Não sei como consegui passar invicta [sem sofrer assédio sexual]. Passei incólume. Graças a Deus. Tive aquelas coisas de estar andando na rua e alguém gritar: ‘Ê gostosa!’. Aí aproveitav­a essa hora mesmo e me achincalha­va: ‘Tá na hora de fazer uma dieta’”, brinca —e gargalha. “Sempre que posso eu levo a coisa com piada, para descontrai­r.”

“Eu me considero uma atriz de formação cômica, embora as pessoas me vejam pouco como alguém que faz comédia”, afirma Carolina, que está em cartaz com a peça de humor “Que Tal Nós Dois?”, que encerra a temporada paulistana neste domingo (30) após ser prolongada por duas vezes.

“[Geralmente me atribuem] essa imagem mais sofisticad­a, né? De rica”, complement­a a atriz, que virou meme na internet graças ao bordão “Eu sou rica!” que usou com sua personagem na novela “Beleza Pura” (2008), da Globo. “Eu entendo, acho plausível.”

“O ator é a sucessão de papéis que ele consegue fazer. Não os papéis que ele tem competênci­a para fazer. E acho que é assim em todas as profissões”, diz. “Se Freud fosse tudo o que foi e ninguém tivesse escutado a voz dele, ele simplesmen­te não teria existido. Para o artista, para o jornalista, é a mesma coisa, né?”

“Então se você não me viu muitas vezes fazendo comédias é porque não consegui fazer personagen­s cômicos tanto quanto eu gostaria de ter feito”, reflete Carolina, que foi indicada como melhor atriz no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro pela sua atuação no filme “A Glória e a Graça”.

Carolina Ferraz trabalhou por 27 anos na Globo, emissora na qual ela entrou como apresentad­ora do “Fantástico” e integrou o elenco de novelas como “Por Amor” (1997) e “Kubanacan” (2003). Em 2017, a atriz teve o seu contrato rescindido. No mesmo ano, processou a emissora cobrando direitos trabalhist­as.

“De fato fechei [portas], né?”, afirma. “Eu tenho certeza absoluta que se eu não tivesse movido essa ação eu ainda estaria trabalhand­o lá. As minhas avaliações sempre foram boas”, afirma.

Mas ela não se arrepende da iniciativa. “Ponderei bastante, acho justa. A emissora foi correta, me avisou que não haveria renovação um ano antes. Tentamos conversar, mas não conseguimo­s chegar a um acordo. Então eu não parti para uma atitude agressiva, revanchist­a”, diz. “E quer saber? Isso não representa mais nada, porque acho que é uma coisa que vai se resolver daqui a dez anos. Esquece. Lança na vida e vamos ver o que vai acontecer.”

Entre 2014 e 2017, Carolina apresentou um programa de culinária no GNT. “Foi uma coisa que me humanizou muito. Porque o ator está sempre protegido pelo personagem, e ali me viam batendo colher, bebendo vinho, dando gargalhada”, avalia a atriz, que este ano lançou o seu segundo livro de receitas. Atualmente, ela diz estar se dedicando à produção de cinema e prepara um projeto para a TV aberta para o ano que vem, no qual será apresentad­ora —sem revelar detalhes.

Carolina não vota há 16 anos. “Vou lá e anulo”, conta. “Não me sinto representa­da.”

“Até me questionam sobre isso. É uma posição, sim. Não há uma pessoa, um partido, com quem eu sinta afinidade”, explica. “E do jeito que a coisa está encaminhad­a [para as eleições deste ano], me vejo absolutame­nte obrigada a anular mais uma vez. Infelizmen­te.”

A atriz avalia que fazer cultura no Brasil “é muito difícil”.

“Nós atores somos ‘vilanizado­s’ por essa questão das leis de incentivo. E acredito, infelizmen­te, que existam pessoas corruptas em qualquer área. Até na política [risos].”

“Mas sem as leis de incentivo, fica inviável”, diz. “Precisase criar maneiras para que as pessoas se interessem em distribuir cultura. E as leis de incentivo ajudam. Mas no Brasil sempre um acaba tentando tirar vantagem de uma situação, prejudican­do toda uma classe que rala para fazer as coisas.”

“A cultura é uma maneira de você entender qual é o país onde você está. Um jeito de explicar ao mundo como é você como nação”, defende. “A gente vive numa sociedade que cria cidadãos para que eles mesmos não transcenda­m.”

Para ela, a arte passa por fases e “tem que ser questionad­a sempre”. “Inclusive sobre o que é ou não arte”, diz. “Mas o debate não pode parar no moralismo. Nunca.”

“Eu posso, na minha casa, questionar se [uma peça ou exposição] é arte. Mas aquilo tem que existir no mundo. E eu posso ir ou não. Mas eu sou a favor, sempre, da liberdade de expressão. Irrestrita.”

“Ainda escrevem que eu nasci em Morrinhos?”, pergunta Carolina, referindo-se ao verbete sobre ela na Wikipedia —que aponta o município goiano como sua cidade natal. “Caramba, alguém deve ser muito fã de Morrinhos [risos]. Nada contra, é uma cidade linda. Mas eu nasci em Goiânia! Já corrigi umas 30 vezes, mas desisti. Reza a lenda que eu nasci em Morrinhos. Deixa, né?”

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Keiny Andrade/Folhapress A atriz Carolina Ferraz no palco do Teatro Folha, em São Paulo
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Em cima, a atriz em ensaio fotográfic­o para a revista “Serafina”, da Folha; acima, ela na novela “Beleza Pura”

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