Justiça barra porto da Triunfo em Santos para defender aves
Projeto de R$ 3 bi tem aval do Ibama, mas Ministério Público Federal é contra
A Triunfo, uma das maiores empresas de infraestrutura do país, se tornou uma espécie de síntese dos diversos imbróglios judiciais e regulatórios que dominaram o setor nos últimos anos.
A lista de problemas —que inclui a recuperação judicial do aeroporto de Viracopos e a nova operação da Lava Jato sobre a concessionária Econorte, no Paraná— tem mais um item, no setor portuário.
O projeto de construir terminais privados na área do porto de Santos foi congelado por uma decisão judicial de primeira instância no início de agosto.
A sentença não apenas suspendeu a licença ambiental do empreendimento como bloqueou completamente o acesso da companhia ao terreno que adquiriu para o empreendimento.
O projeto, com previsão de R$ 3 bilhões de investimento, teria quatro terminais —para celulose, combustíveis líquidos, grãos e fertilizantes—, além de cinco linhas ferroviárias de carga e descarga.
“Hoje, o terreno absolutamente não serve para nada. Se a sentença prevalecer, vamos entrar com uma ação pedindo sua desapropriação”, afirma o presidente da companhia, Carlo Bottarelli.
Em uma sala de reuniões da sede da empresa, na zona sul de São Paulo, o executivo mostra um mapa emoldurado, de 1937, que mostra o terreno comprado pela companhia em 2007, quando surgiu a ideia do empreendimento.
O processo de licenciamento ambiental foi iniciado junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), e o grupo recebeu as licenças prévias ao projeto.
No entanto, em 2012, o MPF (Ministério Público Federal) “se insurgiu”, como define o empresário, e entrou com uma ação civil pública contra o porto.
Nos últimos meses, o pedido da procuradoria foi atendido por uma juíza do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
O motivo alegado: o terreno seria “o mais importante sítio de pouso e alimentação de aves migratórias da costa sudeste do Brasil”, segundo o procurador Ronaldo Ruffo, responsável pela ação.
Entre os alados que habitam a região e estariam ameaçados destacam-se diferentes espécies de maçaricos e batuíras —aves que fazem ninhos nas regiões árticas do Hemisfério Norte e se deslocam para o sul para fugir do inverno.
Também seriam afetados os trinta réis (aves marinhas que são, basicamente, pequenas gaivotas) e o guará vermelho (de bico longo e coloração forte), que usam aquela área para alimentação.
Todos eles são famílias ameaçadas de extinção, segundo o biólogo Fábio Olmos, que fez os laudos ambientais que ajudaram a embasar a ação.
Além do impacto nas aves, o empreendimento afetaria uma área significativa de manguezais, “bioma que foi massacrado no Brasil nos últimos anos”, afirma Olmos.
“É uma área considerada de alta importância para a preservação ambiental do país. Quando você tem um porto, você tem uma destruição completa do ecossistema. É pior que uma bomba atômica, não tem volta”, diz ele.
A ação movida pela procuradoria também questiona a competência do próprio Ibama como entidade responsável pela avaliação ambiental —o órgão que teria direito à análise seria a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).
O executivo da Triunfo rebate: diz que os estudos foram conduzidos com cuidado, pelo órgão adequado previsto em lei, com a realização de audiências públicas.
Em sua apelação, a companhia refuta ponto a ponto dos argumentos dos procuradores, em particular que as aves não teriam onde pousar, pois o porto ocuparia 30% do terreno ficando 70% preservados.
Procurado, o Ibama também diz que irá recorrer da decisão nas próximas semanas.
“A gente estava em negociação com parceiros internacionais importantes. Aí ele diz: ‘pô, mas você perdeu o terreno porque uma ave pousa no seu terreno?!’ É complicado”, diz Bottarelli.
A empresa pleiteia um efeito suspensivo do bloqueio ao terreno, para que possa ao menos fazer novos estudos e continuar o processo de licenciamento, ainda não concluído.
Há também o temor de que a área seja ocupada por favelas, já que alguns barracos começam a se alojar no terreno. “A chance existe”, ele afirma.
Uma última opção seria pedir ressarcimento pelo terreno, já que a decisão, que bloqueia o acesso da empresa, praticamente faz uma desa- propriação, diz o presidente.
“Temos um laudo [mostrando] que o terreno vale R$ 400 milhões. É uma opção, no pior cenário. Mas seria uma perda muito grande.”
Lava Jato deixa hiato na infraestrutura, afirma empresário
ENTREVISTA
são paulo A explosão da Lava Jato veio em um momento em que o mercado de construção civil estava muito concentrado e precisava de um reequilí-
brio. Porém, a operação “destruiu a engenharia do país” e deverá provocar um hiato na infraestrutura, até que o espaço deixado pelas empresas investigadas seja preenchido.
A avaliação é do presidente da Triunfo, Carlo Bottarelli.
A entrevista, concedida em meados de setembro, ocorreu antes da última operação da Lava Jato na quarta-feira (26), que atingiu a Econorte, da Triunfo. Procurada pela reportagem, a empresa informou em nota que já havia criado em março um comitê interno para investigar as denúncias e colaborava com os investigadores.
Além do imbróglio do porto em Santos, a Triunfo tem tido diversos problemas. O que
deu errado? O contrato de concessão por sua natureza é imperfeito. Um contrato de 25 anos de duração tem que estar suficientemente adequado a receber flexibilidade. Existe uma rigidez, que nasce da lei de licitações, que limita a expansão de contratos de obras.
No entanto, alguns órgãos de controle e o judiciário expandiram essa rigidez para as concessões. Criou-se um engessamento.
Uma das críticas é que há uma cultura excessiva de fazer aditivos nos contratos. Mas esse é o contrato imperfeito. Se o aditivo está correto e respeita o interesse público, qual o problema?
Mas acha que houve abusos de empresas que contaram com esses aditivos na hora de dar lances mais competitivos no leilão, pensando: eu ga
nho, depois renegocio? Não acho. Ninguém faz isso. Ninguém joga no risco. Porque tem o risco de não renegociar, que é muito alto, e aí você amarga 25 anos de contrato. Isso é uma cultura de obra.
Na obra você faz isso. Construtora compra esse risco, porque dura dois anos a obra. Em concessões de 25 anos, se você entra errado, você termina errado, a tendência é só piorar.
O que precisa ser feito para
melhorar? Precisa fortalecer as agências, delimitar a atuação dos órgãos de controle. Tem que criar algum mecanismo de controle para o erro imperfeito, o cara tem direito de errar sim, desde que não tenha dolo.
É um campo muito complexo de falar hoje em dia porque hoje a temática é de caça às bruxas e busca de culpados. Mas a pessoa tem direito de errar, o erro existe, é da natureza humana.
Com a Lava Jato, o setor de infraestrutura passou a ser visto com mais desconfiança. Co
mo sentem isso? O setor está sob análise. Existem empresas mais atingidas, que são as que circulavam ao redor da Petrobras. Mas vejo isso muito na área de construção.
Sem dúvida, precisava-se fazer alguma coisa. O mercado estava muito concentrado, algumas empresas tinha muita força, decidiam. Tinha que ter um reequilíbrio do mercado. Mas nós destruímos a engenharia brasileira. Precisa destruir as empresas? Não sei. A coisa estava tão evoluída, que não sei.
Tem empresas que possam repor [o espaço deixado pelas investigadas]? Acho que tem, vai ser ciclo mais demorado, porque tem menos investimento público. Vamos ter que passar por um hiato.
Nós fomos afetados indiretamente, tivemos [operações de] busca e apreensão, mas nenhuma sentença. Mas afetou o mercado, fica uma desconfiança. Fizemos investigação interna, criamos política interna, analisamos contratações. O tempo vai dizer. Precisava mexer. Precisava destruir? Não sei.
O que falta para retomar os investimentos em infraestru
tura no país? Segurança jurídica. É só segurança jurídica, regulatória. Recursos não precisa, recursos você pode encontrar onde quiser. Mas é duro, hoje o passado não é previsível. Você pode assinar um aditivo ao contrato e depois de quatro anos o TCU [Tribunal de Contas da União] questionar.
Um dos temas regulatórios que interessa a empresa é o decreto que regulamentaria a devolução de concessões com problemas financeiros, que chegou a ser anunciado pelo presidente, mas ainda não saiu. Qual o impacto
da demora? É uma solução melhor do que uma rescisão unilateral. É menos traumático. Mas entendo o presidente que, por conta do [inquérito que investiga suposto favorecimento a uma empresa com a assinatura do] Decreto dos Portos, não assina mais nada até o fim do mandato dele.
Com todo o constrangimento que ele [Temer] está sofrendo, não imagino que faça um decreto que, se for olhar no fundo, vai facilitar vida de quem? Meia dúzia de empresas. Com certeza levaria a uma ação de improbidade.
A empresa tem planos de projetosnovos? É o porto. Não adianta ir buscar projetos novos que vão demandar capital no momento em que não só não tenho capital como tenho uma disciplina de capital diferente, que é organizar a casa.
“O setor de infraestrutura está sob análise [após a Lava Jato]. Sem dúvida, precisava-se fazer alguma coisa. O mercado estava muito concentrado. Mas nós destruímos a engenharia brasileira. Precisa destruir as empresas? Não sei.