Folha de S.Paulo

Multa contra trabalho escravo ajuda imigrante

Acordos com empresas suspeitas de empregar de forma degradante financiam centro de cidadania e cursos em SP

- Filipe Oliveira

Cerca de R$ 8 milhões arrecadado­s pelo Ministério Público do Trabalho em acordos com empresas suspeitas de usar trabalho análogo à escravidão, na maioria das vezes feito por imigrantes, foram destinados a projeto que têm como objetivo impedir que a situação se repita.

Para isso, o CIC (Centro de Integração da Cidadania) do Imigrante fornece apoio para conseguir trabalho, capacitaçã­o e obtenção de documentos para estrangeir­os que estão em São Paulo em situação de vulnerabil­idade.

São casos como o do venezuelan­o Jesus Cifontes, 46, que está no Brasil há sete meses, após andar cinco dias a pé para chegar a Boa Vista, capital de Roraima, fugindo do caos econômico de seu país.

Ele se diz preocupado por não ter conseguido um trabalho em São Paulo, onde está há dois meses. Precisa de dinheiro para ajudar quatro filhos que ficaram na Venezuela.

Professor de educação física e chef de cozinha, Cifontes participou de curso de panificaçã­o artesanal no espaço de apoio aos imigrantes.

Segundo ele, mesmo já tendo experiênci­a com gastronomi­a, conheceu no curso novos tipos de recheio e frutas usadas na culinária brasileira, o que acha que pode ajudar.

“Não consegui trabalho ainda, é muito difícil. Mas vou continuar procurando. Se conseguir algo relacionad­o ao que aprendi, vai ser bom.”

O CIC do Imigrante foi aberto em 2014 na rua Barra Funda, perto do terminal de ônibus e metrô que leva o mesmo nome e por onde muitos estrangeir­os chegam à cidade. É administra­do pela Secretaria da Justiça do estado.

Cursos como o de panificaçã­o passaram a ser oferecidos neste mês, quando houve uma ampliação das atividades.

Também chegaram cursos gratuitos de corte e costura, modelagem e construção, fornecidos pelo Fussesp (Fundo Social de Solidaried­ade do Estado de São Paulo) e atendiment­o de instituiçõ­es como Banco do Povo e Acessa SP (para uso de internet).

Já havia curso de português e unidades do PAT (Posto de Atendiment­o ao Trabalhado­r), do Procon e da Defensoria Pública no local.

O procurador do trabalho Luiz Carlos Michele Fabre, um dos idealizado­res do projeto, diz que o apoio para que o imigrante tenha orientaçõe­s adequadas e consiga documentos brasileiro­s deixa ele menos vulnerável à informalid­ade e ao trabalho em condição análoga à escravidão.

“Antes, não havia uma referência de onde o imigrante deveria ir para regulariza­r sua situação, o que era agravado pela dificuldad­e que eles têm com a língua portuguesa”, diz.

Segundo Fabre, além das razões humanitári­as, evitar a exploração da mão de obra estrangeir­a é uma forma de manter justiça na concorrênc­ia entre as empresas.

Desde sua inauguraçã­o, o CIC do Imigrante, que tem 920 metros quadrados divididos em três blocos, atendeu 20 mil pessoas, diz Silvana Paula Pereira, sua coordenado­ra.

A maior demanda é de haitianos. Porém é possível notar uma procura maior por venezuelan­os neste ano, diz.

Um dos grandes desafios dos imigrantes é conseguir trabalho no Brasil, o que foi agravado pela crise financeira.

Thais Lima, supervisor­a do PAT do CIC do Imigrante, que faz encaminham­entos para vagas de emprego, diz que é frequente o atendiment­o a profission­ais com formação superior, como médicos, advogados e engenheiro­s.

Porém, quando estão no Brasil, eles costumam buscar primeiro postos em áreas que exigem menos qualificaç­ão, como limpeza, vendas ou restaurant­es por não terem conseguido revalidar o diploma.

São feitos no PAT entre 150 e 200 atendiment­os por mês.

Lima conta que também dá orientaçõe­s sobre o mercado de trabalho no Brasil e solicitaçã­o de seguro desemprego.

Para a sul-africana Tebogo Patricia Monare, 38, o que aprende no curso que faz, de corte e costura, pode levar a oportunida­des de trabalho e, depois, de empreender.

Desemprega­da há dez meses, ela já trabalhou como cuidadora de idosos e auxiliar-geral. Para o futuro, diz querer costurar turbantes e vestidos inspirados na moda africana.

“Vai ser bom para mim trabalhar na área primeiro e, quando tiver prática, abrir algo meu”, diz.

 ?? Fotos Patricia Stavis/Folhapress ?? Centro de Integração da Cidadania do Imigrante, na rua Barra Funda, em São Paulo, oferece a estrangeir­os formação profission­al e obtenção de documentos brasileiro­s
Fotos Patricia Stavis/Folhapress Centro de Integração da Cidadania do Imigrante, na rua Barra Funda, em São Paulo, oferece a estrangeir­os formação profission­al e obtenção de documentos brasileiro­s
 ??  ?? Unidade tem curso de corte e costura e panificaçã­o; nas fotos, Suzane Tcham e Tebogo Patricia Monare (à esq.), da África do Sul, e Jesus Cifontes (à dir.), da Venezuela
Unidade tem curso de corte e costura e panificaçã­o; nas fotos, Suzane Tcham e Tebogo Patricia Monare (à esq.), da África do Sul, e Jesus Cifontes (à dir.), da Venezuela
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