Folha de S.Paulo

Na loja Amazon Go é só pegar os produtos e ir embora

Sistema lê códigos e envia despesas para cartão de crédito, sem passar pelo caixa

- Fernanda Mena

Houve um tempo em que entrar numa loja, retirar um produto da prateleira, colocar na bolsa e sair pela porta da frente era furto, crime passível de sanção ou prisão em qualquer lugar do mundo.

Desde janeiro deste ano, no entanto, um novo tipo de loja abriu as portas em que essa prática é normal e esperada.

Ali não há caixas nem equipe de seguranças, e é impossível pagar sua compra em dinheiro. Ninguém vai lhe fazer a clássica pergunta: “Débito ou crédito?”.

Para isso, dois fatores são cruciais: o controle das pessoas ocorre na entrada, e não na saída, e tudo aquilo que o consumidor escolher e carregar consigo para fora da loja, passando por uma catraca, será devidament­e cobrado em seu cartão de crédito.

Com essa tecnologia, a Amazon Go, projeto da gigante do ecommerce global para lojas físicas, promete revolucion­ar o jeito de se fazer compras, além de eliminar alguns postos de trabalho de era pré-digital.

Depois dos cobradores de ônibus e dos motoristas de táxi, entre tantos outros, teria chegado a vez de as caixas de supermerca­do procurarem outra coisa para fazer.

Na semana passada, a Amazon Go abriu sua primeira unidade fora de Seattle, cidadesede do império de Jeff Bezos.

A escolhida foi Chicago, e a reportagem da Folha foi conferir a novidade, tratada como parque de diversões pelos trabalhado­res que circulam pelo centro comercial da cidade.

No hall de entrada, funcionári­os ajudam os novatos a baixarem o aplicativo específico da loja. Seu 4G está lento? Tem uma rede wi-fi aberta disponível, claro. Não se pode perder um novo cliente por uma bobagem dessas.

O aplicativo abre uma tela com um QR code, aqueles códigos de barra quadrados, que você escaneia nas catracas que ficam na entrada da loja e pronto: é comprar e vazar.

Parece uma loja de conveniênc­ia normal, mas, ao reparar bem no teto, é possível ver centenas de quadrados pretos, que parecem pequenas caixas de som.

São câmeras-sensores que monitoram os movimentos de todos os que se registrara­m na entrada.

Cada produto que você retira da prateleira vai parar no seu carrinho virtual. E, se você o devolve na prateleira, ele é retirado do seu carrinho.

Na tentativa vã de testar e confundir o sistema, a reportagem devolveu vários sanduíches diferentes, aleatoriam­ente. Nada feito. O sistema funcionou.

A estranheza que causa o ato de sair da loja com um sanduíche nas mãos sem dar satisfação para ninguém acaba alguns passos depois da catraca de saída.

Seu celular apita e lhe informa: você foi devidament­e cobrado por tudo o que levou.

Se houver exagero, o comprador afobado terá de dar satisfaçõe­s apenas paras as suas próprias finanças.

As próximas unidades da Amazon Go devem abrir em Nova York e San Francisco, na Califórnia.

Os planos da empresa seriam de abrir 3.000 lojas do tipo até 2021. O Brasil, por ora, não estaria nesses planos.

A Amazon ficou um ano pesquisand­o uma tecnologia que permitisse a sua loja sustentar o slogan “just walk out” (algo como “simplesmen­te vá embora”).

Outras lojas já criaram esquemas de autoatendi­mento ou mesmo de aplicativo­s que permitem ao consumidor escanear o código dos produtos que escolhe, acertando a conta virtualmen­te.

O esforço foi o de tornar a operação de compra praticamen­te invisível, o que pode gerar descontrol­e nos gastos, como sugerem alguns estudos.

Desde 2001, quando professore­s de marketing do MIT (Massachuse­tts Institute of Technology) publicaram uma pesquisa sobre o tema, sabese que o processo que torna os gastos imateriais e invisíveis tende a gerar exageros.

O experiment­o do MIT recebeu o sugestivo título de “Always Leave Home Without it: A Further Investigat­ion of the Credit-Card Effect on the Willingnes­s to Pay” (“Sempre deixe em casa: uma investigaç­ão sobre o efeito do cartão de crédito na disposição em pagar”).

O grupo que usava cartão para pagar por um ingresso de um jogo se mostrava disposto a pagar muito mais que o grupo que usava dinheiro.

A ideia é simples. Quando paga em dinheiro, o consumidor tem de fazer contas o tempo todo para saber se o orçamento é do tamanho do seu desejo.

Nestas operações, faz escolhas mais consciente­s, baseado em princípios de urgência ou de agrados.

Na hora de pagar uma compra com cartão de crédito, esses cálculos desaparece­m.

O tempo de espera na fila do caixa ou do autoatendi­mento, no entanto, permite alguma reflexão sobre o que está na cesta ou no carrinho, o que tende a afastar as compras por impulso.

O mecanismo já não funciona em compras online de poucos cliques. Num sistema como o da Amazon Go é de se esperar que esses freios simplesmen­te não ocorram.

O programado­r de Chicago Kurt Smith, 32, em sua primeira visita à Amazon Go local, diz que é muito cedo para avaliar essa consequênc­ia das lojas sem caixas.

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