Folha de S.Paulo

José Padilha e o caminho para o brejo

Diretor de ‘Tropa de Elite’ e ‘O Mecanismo’ rejeita os candidatos do PSL e do PT e afirma ver ambos, que têm chances de disputar o segundo turno, como expoentes de extremos políticos capazes de levar o Brasil ‘para o brejo’

- Por José Padilha Roteirista e diretor de cinema

Muito provavelme­nte as próximas eleições presidenci­ais brasileira­s serão decididas no segundo turno, em uma disputa entre Jair Bolsonaro (PSL), um candidato da extrema direita, e Fernando Haddad, um candidato do PT e da extrema esquerda.

Bolsonaro baseia a sua campanha nas mesmas ideias tacanhas que balizaram toda a sua carreira política e em uma suposta guinada intelectua­l na área econômica. Ao se associar ao professor Paulo Guedes, doutor pela Universida­de de Chicago, Bolsonaro tenta se apresentar como paladino do liberalism­o, de uma linha de pensadores que vai de Adam Smith a Ludwig von Mises e Friedrich Hayek.

De minha parte, nada tenho contra a aplicação de parte das ideias destes pensadores à economia brasileira. Acho que o Brasil precisa reduzir o tamanho do Estado, que é caro, ineficient­e e corrupto. Acho isto apesar de não comprar totalmente as teses do liberalism­o austríaco. Todavia, não consigo acreditar que Bolsonaro vá aplicar as teses de Paulo Guedes à economia brasileira, mesmo que tenha maioria parlamenta­r para isso.

Bolsonaro, como quase todos os militares e como a esquerda brasileira, sempre defendeu políticas desenvolvi­mentistas estatizant­es, semelhante­s às dos militares e às de Dilma Rousseff e diametralm­ente oposta às ideias liberais. Políticas estas que nunca funcionara­m no longo prazo e que jogam o país em recorrente­s crises econômicas, mantendo seu índice de cresciment­o muito abaixo do que poderia ser.

Pior ainda, o conservado­rismo de Bolsonaro com relação ao comportame­nto humano invade liberdades e direitos individuai­s básicos, tais como a prerrogati­va de cada pessoa em decidir como lidar com seu próprio corpo tanto no caso das opções sexuais quanto do aborto. Além disso, Bolsonaro não reconhece, como fazem os liberais, que os indivíduos precisam ter garantias constitu- cionais que os defendam de possíveis violências do aparato repressivo do Estado.

Duas frases resumem claramente as posições de Bolsonaro: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”; e “Eu seria incapaz de amar um filho homossexua­l; prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Estas declaraçõe­s mostram que Bolsonaro acredita que o Estado deve ter poder sobre as escolhas básicas e sobre o corpo dos cidadãos. O candidato do PSL é, portanto, para usar uma expressão comumente aplicada a Donald Trump, eticamente “unfit for office.”

Haddad, por sua vez, representa o PT, um partido que traiu os cidadãos brasileiro­s de forma vergonhosa. Lula, José Dirceu, Antonio Palocci, Dilma Rousseff e companhia mentiram descaradam­ente ao povo brasileiro, apresentan­do-se como paladinos e guardiões da ética e da moral, enquanto se associavam ao PMDB e às elites empresaria­is monopolist­as do país —em particular aos grandes bancos comerciais e às grandes empreiteir­as— e montavam um projeto de poder que não só reproduziu o mecanismo de corrupção e de expropriaç­ão dos cidadãos pela classe política que existia antes da sua chegada ao poder, como também fortaleceu esse mecanismo, aumentando-o em escala.

Não é à toa, portanto, que ao final do quarto governo da dupla PT/ PMDB o país esteja falido, e a renda per capita tenha regredido a níveis anteriores aos do primeiro mandato de Lula. No frigir dos ovos, o PT atrasou o desenvolvi­mento do Brasil por 12 anos.

Além disso, o partido de Haddad tem posições a respeito da liberdade individual quase tão retrógrada­s quanto as de Bolsonaro. Disse Lula sobre Fidel Castro, ditador cubano que executou milhares de inocentes para chegar ao poder e que governou Cuba por mais de 40 anos sem realizar uma única eleição: “Para os povos de nosso continente e os trabalhado­res dos países mais pobres, especialme­nte para os homens e mulheres de minha geração, Fidel foi sempre uma voz de luta e esperança”.

Lula disse isso sabendo que o governo de Fidel Castro perseguiu homossexua­is —exatamente como Bolsonaro promete que vai perseguir no Brasil. Além disso, são recorrente­s os elogios do líder petista aos venezuelan­os Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

O PT não apenas abriu as portas dos esquemas de corrupção da Odebrecht para ajudar que eles se perpetuass­em no poder, mas também o próprio Lula gravou mensagens de apoio a Maduro, recentemen­te denunciado na ONU por prender, torturar e matar oposicioni­stas e jornalista­s. Está claro, portanto, que, por representa­r Lula, Haddad também é “unfit for office”.

Sobre Haddad, além disso, pesam ainda acusações diretas de corrupção e de envolvimen­to no mecanis- mo que PT e PMDB operaram por 12 anos. Existem até suspeitas de que Haddad estaria usando, ainda hoje, caixa dois do Petrolão. (Antonio Palocci afirmou à PF, segundo fontes da corporação, que os US$ 16 milhões apreendido­s com a comitiva de Teodorin Obiang, filho do ditador da Guiné Equatorial, provavelme­nte tinham como destino o caixa dois petista.)

A esta altura, você deve estar se perguntand­o se eu estou sugerindo que o Brasil vai para o brejo. A resposta é: sim, é exatamente isto que estou sugerindo. Um dos dois candidatos acima descritos, ambos eticamente inviáveis, será eleito. E isto equivale a jogar o país nas trevas.

Além disso, mesmo que se tornem santos de um dia para o outro, nenhum dos dois conseguirá maioria para governar. (O que pode até ser uma boa notícia.) Se Haddad for eleito, seu governo vai ter que trabalhar, necessaria­mente, para obstruir a Justiça, revogar a prisão em segunda instância, manter o foro privilegia­do e dar cargos a políticos corruptos.

Isto posto, me parece que restam ao Brasil duas tarefas hercúleas: (1) sobreviver aos próximos quatro anos, não sei como, sem descambar para uma situação social e econômica catastrófi­ca como a da Venezuela, e (2): aprender com os erros do passado para não repeti-los no futuro.

Que erros foram esses? Ao meu ver, essencialm­ente um: face às revelações da Lava Jato, as forças políticas e os formadores de opinião do país colocaram as suas preferênci­as ideológica­s à frente da ética. A direita apostou em um procedimen­to de impeachmen­t claramente ilegal e arbitrário, pensando que, com Michel Temer no poder —apesar do seu notório envolvimen­to com a corrupção sistêmica— poderia defender seus interesses econômicos. E a esquerda, por motivos políticos, tentou fingir que Lula, Dirceu e Palocci não eram tão gângsteres quanto Aécio, Sérgio Cabral e Eduardo Cunha.

Ao tomarem estas posições, tanto as forças da direita quanto as da esquerda colocaram em xeque a Lava Jato, dando margem para que as duas mais importante­s cortes do país, o TSE e STF (que não me surpreende­riam se tivessem membros ligados a esquemas de corrupção, tais como a venda de sentenças), manobrasse­m para sabotar diversas linhas de investigaç­ão da operação que compromete­riam ainda mais políticos do PT, do PSDB e do PMDB, a eles mesmos, além dos grandes bancos comerciais.

Como consequênc­ia direta disto, o STF aprovou um impeachmen­t absurdo, e o TSE absolveu a chapa de Dilma e Temer, apesar de esta ter sido comprovada­mente eleita com um volume gigantesco de propina. Ambos deveriam ter sido cassados. Foram estes dois acontecime­ntos históricos que, em ultima análise, viabilizar­am as candidatur­as de dois políticos claramente comprometi­dos pela Lava Jato, tais como Haddad e Alckmin, e que deram asas à candidatur­a de Bolsonaro.

Isto me leva ao tema deste artigo. A história da humanidade demonstra claramente que o primeiro passo na direção da servidão é a opção pela relativiza­ção da ética em prol da ideologia. Mao, Hitler, Stálin, Fidel, Franco e vários outros ditadores que cometeram massacres chegaram ao poder porque, em algum momento da história de seus países, parte dos formadores de opinião os apoiou por questões ideológica­s —apesar de saberem de seus desvios éticos.

Dois amigos meus, em particular, cometeram este erro crasso. Eu não tenho bola de cristal, mas acho que, se a ética não sobrepujar a ideologia no curto prazo, o Brasil caminha para uma tragédia sem tamanho.

Bolsonaro crê que o Estado deve ter poder sobre as escolhas básicas e sobre o corpo dos cidadãos

Haddad, por sua vez, representa o PT, um partido que traiu os brasileiro­s de forma vergonhosa

A direita apostou num impeachmen­t ilegal; o PT quis fingir que Lula não era tão gângster quanto Aécio

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