Folha de S.Paulo

Expedição no parque do Xingu inspira festival

Parque indígena é primeira parada da série sobre cozinha à beira d’água de Fábio Vieira, do Micaela; viagem inspira menu especial

- Marília Miragaia

Foram quase dez horas de caminhonet­e só em Mato Grosso, no trecho que vai de Barra dos Garças até Gaúcha do Norte, às portas do Parque Indígena do Xingu. Na última parte da jornada, o chef Fábio Vieira, do restaurant­e Micaela, nos Jardins, não via nada além de poeira vermelha pelo vidro. Quando chegou à aldeia Kaupuna, de índios meinacos, cumpriment­ou a todos, um a um. Foi, em seguida, banhar-se no rio Mirasol.

A água veio para refrescar —mas é ela, em si, a razão que fez o cozinheiro viajar por um dia e meio, entre estradas e voos, para chegar até lá. Aquele foi o local escolhido para a filmagem de um projeto de TV que vai explorar a cozinha feita à beira d’água.

“O que é um ribeirinho? O que ele tem

de subsistênc­ia? Vamos falar sobre o que a água provém, mas também das muitas coisas que acontecem ao seu entorno”, diz o chef. Pode ser o cacau que dá na várzea amazônica ou um feijão plantado às margens do rio São Francisco, explica ele.

Para a chegada de Fábio ao Xingu, os índios fizeram, orgulhosos, uma canoa de 12 metros esculpida em madeira de copaíba. Dela, demonstrar­am sua pesca tradiciona­l, que usa arco e flecha ou arpão. Com esses instrument­os, os meinacos acertam o peixe que nada em meio ao rio cristalino —ainda que, hoje em dia, também usem, por vezes, linha e anzol.

De volta às margens, eles prepararam o alimento em um fogareiro. Na panela de barro escurecida pelo calor, um tucunaré de 2 kg foi cozido ao extremo, por quase duas horas, até a carne soltar pequenas lascas. Retiraram-se espinhos, ossos e carcaça, e o líquido restante ganhou corpo com beiju e massa da mandioca (raiz ralada e seca).

Estava feita a wakula, “que lembra a consistênc­ia de um pirão”, explica Fábio, uma receita consumida com frequência ali.

Ao experiment­á-la, o chef conheceu mais um ingredient­e usado na aldeia. É uma espécie de sal feito à base de aguapé, uma planta que habita as proximidad­es do rio. “O sabor é diferente [do sal convencion­al]. Ele primeiro vem forte na boca, mas sua presença acaba mais rápido. Para eles, é a coisa mais preciosa”, diz.

A expedição ao Xingu representa o primeiro dos 13 episódios da série de TV, ainda sem nome e data de estreia, produzida pela Sampa Filmes, em fase de desenvolvi­mento. O chef também vai visitar o delta do rio Parnaíba, entre o Maranhão e o Piauí; a região de Cananeia, no litoral de São Paulo; e uma área conhecida como Tanquã, em Piracicaba, chamada de “Pantanal paulista”.

Além das filmagens para o projeto, as viagens também rendem a Fábio repertório para ser usado no Micaela, nos Jardins. Nesta terça-feira (2), entra em cartaz no restaurant­e um menu que faz alusão a ingredient­es e preparos dessa etnia indígena.

A primeira das cinco etapas do cardápio (R$ 165) é um ovo perfeito com caldo de peixe, pó de peixe torrado, beiju crocante e um toque de sal do índio. “Quando estava no Xingu, preparei ovo para os meinacos comerem de manhã, e eles gostaram. Aqui, não vou cozinhar pratos típicos, mas fazer uma referência ao momento que tivemos juntos, um momento de troca”, diz Fábio.

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FOTOS VINÍCIUS LIMA/REPRODUÇÃO O chef Fábio Vieira, durante visita aos índios meinacos
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Mulheres fazem beiju, enquanto Fábio cozinha
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Sal do índioFeito à base de aguapé, planta que fica próxima à água, tem sabor intenso que some rápido WakulaEspé­cie de pirão, um cozido de peixe espessado com beiju e massa de mandioca MoquémArma­ção que utiliza lenha para cozinhar e defumar o alimento ao mesmo tempo Vista aérea da aldeia Kaupuna

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