Prazer pontual: as tortas de Marilia Zylbersztajn
Tinha viajado por quase um ano. Quando parei de morar em aeroportos, num passeio pela Vila Madalena, fui à livraria ver as novidades. Na saída, vi uma portinha simpática para um café. Estranhei a austeridade da vitrine, nada da pirotecnia comum por aqui. Há, por aí, tortas que desafiam a gravidade: quanto mais altas, mais chantili, mais ingredientes, melhor serão.
As com que me deparei eram baixas, simples, com nomes explicativos: amora com chocolate, damasco, maçã, pera. A única que se permitia algum extravasamento se chamava Explosão de Chocolate, um bloco compacto de chocolate cremoso mais para o amargo —parecia tudo, menos algo explosivo.
Quando comi as fatias em casa, me encantei. Era uma doçaria maravilhosa, em que as coisas tinham sabor do que eram.
Lembrei da decepção de turistas em Viena, na Áustria, ao comer a sachertorte no hotel Sacher. É um bolo com uma faixa de geleia de damasco no recheio e uma cobertura de chocolate. Só isso. É boa, mas tem gosto do século 19, longe do que o visitante espera, acostumado à confeitaria de grandes efeitos.
Depois de tudo, soube que tinha estado na confeitaria de Marilia Zylbersztajn. Planejo escrever, faz tempo, sobre seus doces sensatos, que deixam os ingredientes falar. Como as tortas vienenses, as de Marilia pedem a atenção para a complexa nuance da simplicidade. O importante está no sabor daquela austeridade e não no empilhamento de coisas.
São tortas para quem gosta de vinho, não dominam o paladar como a doçaria de volumes de açúcar. Português na origem, não resisto a ovos moles. Sou o que os ingleses chamam de “sweet tooth”, o formigão. Mas essa fineza, de doces expressivos sem quilos de açúcar, traz o prazer pontual: não falta nem sobra nada.