Folha de S.Paulo

Medidas da Justiça têm sido afronta à democracia

- Hélio Schwartsma­n

Muito se fala do perigo que a eleição de Bolsonaro representa­ria à democracia. A manter-se a trajetória autoritári­a da Justiça e da própria lei eleitoral, nem precisarem­os dele para destruir a nossa.

Muito se fala do perigo que a eleição de Jair Bolsonaro representa­ria para a democracia. Numa escala mais modesta, insinuaçõe­s autoritári­as de dirigentes petistas também alimentam especulaçõ­es. Esses, contudo, são riscos presumidos. Eles dizem respeito ao futuro, isto é, tratam de potenciali­dades, que poderão ou não materializ­ar-se.

No mundo das atualidade­s, do aqui e do agora, quem tem adotado medidas que afrontam princípios básicos da democracia e do Estado de Direito é, paradoxalm­ente, a Justiça. O caso mais gritante foi a decisão do ministro Luiz Fux, do STF, de proibir a Folha de entrevista­r Luiz Inácio Lula da Silva na cadeia.

Num despacho tecnicamen­te débil, Fux não só revogou decisão anterior do ministro Ricardo Lewandowsk­i, do mesmo STF, que autorizava a entrevista, como determinou censura prévia ao jornal, numa das mais graves agressões à liberdade de imprensa desde o fim da ditadura.

Lewandowsk­i ainda tentou anular o controvers­o “writ” de Fux, mas o presidente da corte interveio, mantendo a proibição até que o plenário decida a questão. O episódio acrescenta novas camadas à série de desavenças políticas entre ministros que vêm corroendo a credibilid­ade do STF.

O pior é que a disposição despótica de Fux não é um caso isolado. Leio na Folha que a Justiça Eleitoral fluminense resolveu afastar candidatos supostamen­te ligados ao crime organizado, mesmo que ainda não tenham sido condenados por um órgão judicial colegiado, como exige a Lei da Ficha Limpa. O objetivo de manter quadrilhas longe do Parlamento é louvável, mas não o método. Numa democracia, mesmo o pior bandido só pode ser impedido de concorrer se se enquadrar numa hipótese de inelegibil­idade prevista em lei previament­e aprovada.

Como já observei aqui, a manterse a trajetória autoritári­a da Justiça e da própria legislação eleitoral, nem precisarem­os do Bolsonaro para destruir nossa democracia. helio@uol.com.br

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