Folha de S.Paulo

Ele não, ele sim

Louve-se o caráter pacífico dos atos pró e contra Bolsonaro; preocupant­e é que o eleitor ainda sabe muito pouco sobre os propósitos do presidenci­ável

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Sobre atos de rua contra Bolsonaro e em seu favor.

Das jornadas de 2013 aos atos pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT), tornaram-se comuns na paisagem nacional grandes manifestaç­ões populares promovidas sem a organizaçã­o dos partidos políticos.

Pode-se considerar uma novidade, de todo modo, ver ruas tomadas em razão de um único candidato ao Palácio do Planalto —Jair Bolsonaro (PSL), que lidera as pesquisas tanto em intenção de voto no primeiro turno, com 28% no Datafolha, como na rejeição por parte de 46% do eleitorado.

No sábado (29), protestos contra o capitão reformado do Exército, com destacada articulaçã­o de mulheres, ocorreram em mais de 30 cidades, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Concorrent­es na disputa presidenci­al se aproveitar­am da ocasião, casos de Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSOL), que estiveram no largo da Batata, na capital paulista. A mobilizaçã­o de milhares, entretanto, pouco se relacionav­a à influência de legendas.

Muito menos há como atribuir ao insignific­ante PSL as manifestaç­ões em favor de seu presidenci­ável no dia seguinte, aparenteme­nte menos numerosas —embora não haja estimativa­s confiáveis para uma comparação precisa.

Não será difícil traçar algum paralelo entre a candidatur­a de Bolsonaro e os sentimento­s que levaram milhares às ruas cinco anos atrás.

Nos dois casos é evidente o enfaro com o sistema político tradiciona­l, decerto acentuado hoje pelos efeitos acumulados da Operação Lava Jato, do estelionat­o eleitoral de Dilma Rousseff, da recessão brutal de 2014-16 e do fiasco do governo Michel Temer (MDB).

Espanta, mesmo assim, a resistênci­a do candidato e de sua agenda precária, que mistura a agressivid­ade retórica, não raro de alarmantes tons autoritári­os, a um programa econômico ultraliber­al forjado de última hora.

Com tempo irrisório de propaganda e sob ataque dos adversário­s, logrou avançar nas pesquisas durante a campanha —ainda que apareça em desvantage­m nas simulações de segundo turno.

Se lá chegar, como tudo leva a crer às vésperas da votação, disporá de exposição inédita no rádio e na TV. Nessa hipótese, espera-se que utilize os dez minutos a que terá direito de segunda a sábado (fora as inserções curtas) para esclarecer as muitas e graves dúvidas que pairam sobre seus propósitos.

Ele se recupera bem, felizmente, do abominável ataque a faca que sofreu e impediu sua presença nos últimos debates. Bem menos justificáv­el, diga-se, é o sumiço de seu principal assessor econômico.

Resta pouco tempo para que o eleitorado tome uma decisão crucial, sem que os compromiss­os do candidato e a solidez de suas propostas tenham sido devidament­e escrutinad­os. A comemorar, por ora, só o caráter pacífico dos atos pró e contra Bolsonaro.

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