Folha de S.Paulo

Conforto em dólar

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A respeito de transações do Brasil com o exterior.

Há um contraste notável entre a situação econômica doméstica, desanimado­ra, e os resultados confortáve­is das transações do Brasil com o restante do mundo. Os indicadore­s podem motivar tanto um tímido otimismo como um alerta.

A atividade produtiva permanece praticamen­te estagnada em nível muito baixo, e o endividame­nto do governo avança sem limite. Já pelo lado das contas externas, o país parece se diferencia­r de emergentes em situação crítica, como a Argentina e a Turquia.

Desde o fim da primeira década deste século, observou-se uma mudança estrutural nessa seara.

A dívida externa pública e privada, na casa dos US$ 300 bilhões, é inferior ao volume de reservas em moeda forte acumuladas pelo Banco Central (cerca de US$ 380 bilhões). Com isso, a economia brasileira fica razoavelme­nte protegida das oscilações nos movimentos internacio­nais de capital.

Ainda assim, poderia ter havido deterioraç­ão recente nesse quadro em geral benigno. Afinal, vivemos situação política incerta, as finanças públicas estão arruinadas e a economia não cresce. De resto, o cenário global provoca tensões em razão da alta dos juros nos Estados Unidos, que dificulta o acesso a financiame­ntos em dólar.

No entanto a situação parece sob controle. Mesmo a alta das cotações da moeda americana, significat­iva, é menor do que a verificada no turbulento ano eleitoral de 2002 —o da primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Não há fuga de capitais. Ao contrário, o influxo se mostra positivo, ainda que longe da bonança dos anos anteriores à recessão. A taxa de rolagem da dívida externa continua em níveis confortáve­is.

O investimen­to estrangeir­o, na forma de novos negócios ou empréstimo­s entre filial e matriz, segue em patamares elevados —superiores ao do historicam­ente baixo déficit em transações correntes (a diferença entre exportação e importação de bens e serviços).

Os dados passam a impressão de que os não residentes desconfiam menos da economia do que os brasileiro­s desanimado­s por cinco anos de crise. Ou, também, de que o país tem um potencial que não foi esgotado mesmo neste desarranjo de raridade secular.

É certo, porém, que esse ambiente pode se alterar em questão de meses, na hipótese de descrédito definitivo na recuperaçã­o das contas públicas. Nesse caso, corre-se o risco de uma desvaloriz­ação da moeda capaz de afetar os balanços das empresas, a inflação e os juros.

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