Folha de S.Paulo

Terapia contra o câncer ganha o Nobel de Medicina

Imunoterap­ia, que faz o organismo combater a doença, trouxe resultados inéditos para tumores antes sem resposta

- Gabriel Alves

O Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2018 foi anunciado nesta segunda (1º) para o americano James P. Allison e o japonês Tasuku Honjo pelas descoberta­s ligadas ao combate do câncer com drogas que “bombam” a função do sistema imunológic­o, a chamada imunoterap­ia.

A estratégia “remove o disfarce” do tumor para que o próprio organismo lute contra a doença.

A descoberta, segundo o Comitê do Nobel do Instituto Karolinska, na Suécia, tornou-se um quarto pilar no tratamento contra o câncer, junto com quimiotera­pia, cirurgia e radioterap­ia. Médicos e biologista­s já esperavam que a área fosse premiada.

A imunoterap­ia teve grande desenvolvi­mento nas últimas décadas e elevou a efetividad­e de tratamento­s contra vários tipos de câncer, como melanoma, câncer de pulmão e câncer de rim ,que não respondiam bem às drogas existentes.

Pioneiro, o imunologis­ta americano James P. Allison, do MD Anderson Cancer Center da Universida­de do Texas, teve a ideia de tentar soltar o “freio” do sistema imune conhecido como CTLA-4, um receptor presente na célula T (ou linfócito T), responsáve­l por reconhecer células anormais, como as cancerosas.

A estratégia envolveu a criação de um anticorpo que se liga no tal “freio molecular”, impedindo que ele seja ativado. Com isso, Allison curou camundongo­s que tinham melanoma. O anticorpo ipilimumab­e (comerciali­zado como Yervoy, da BristolMye­rs Squibb) age da mesma forma em humanos.

“O que essas drogas fazem é desparalis­ar o sistema imunológic­o, permitindo que o linfócito ataque o tumor de forma muito mais eficaz”, diz Fernando Maluf, oncologist­a da BP.

Outro freio molecular, cuja inibição pode gerar efeitos ainda mais dramáticos, é o PD-1. Fruto da pesquisa liderada pelo médico e imunologis­ta Tasuku Honjo, da Universida­de de Kyoto, o bloqueio do PD-1 também abriu uma avenida de possibilid­ades, com ainda menos efeitos colaterais.

“Quando pacientes que se recuperam do câncer me agradecem, sinto verdadeira­mente o significad­o de nossa pesquisa”, disse Honjo durante coletiva de imprensa.

Em uma entrevista ao jornal New York Times, Allison disse que ainda busca compreende­r Gilberto Lopes oncologist­a e professor da Universida­de de Miami (EUA) outros mecanismos moleculare­s para ajudar mais pacientes. “É um grande desafio, mas nós sabemos as regras básicas agora. É apenas uma questão de dedicação para juntar as peças do quebracabe­ça com base na ciência.”

Entre as drogas hoje comerciali­zadas que agem no do sistema do PD-1 estão o nivolumabe (Opdivo, também da Bristol-Myrers Squibb) e o pembrolizu­mabe (Keytruda, da MSD). Ambas foram aprovadas em 2014 nos EUA e em seguida no Brasil. Há mais drogas similares lançadas e outras em desenvolvi­mento.

“A esperança é que os medicament­os já gerados baseados nessas descoberta­s sejam usados em cada vez mais pacientes com câncer, trazendo a chance de cura para muitos deles”, diz o Gilberto Lopes, professor da Universida­de de Miami (EUA) e editor-chefe do periódico Journal of Global Oncology.

“O prêmio é muito merecido porque essa estratégia de tratamento não só aumenta a sobrevida, mas também busca atingir a cura do câncer, o que é muito mais ambicioso. O entendimen­to de como funciona o sistema imune em relação ao tumor, que apresenta mecanismos de evasão semelhante ao de células saudáveis, foi importantí­ssimo”, afirma Antonio Carlos Buzaid, oncologist­a da BP e do hospital Albert Einstein.

“Agora é preciso investigar o maior número possível de mecanismos semelhante­s a esses, para entender por que o câncer de pâncreas não responde tão bem à imunoterap­ia como o melanoma e os cânceres de pulmão e bexiga, por exemplo”, diz.

Mas, segundo Hoff, não se pode deixar a impressão de que esses tratamento­s são para todos os pacientes. Enquanto no caso do melanoma a proporção de beneficiad­os é muito alta, no câncer de intestino ela é de cerca de 5%, segundo Paulo Hoff, diretor do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) e presidente do Grupo Oncologia D’Or, da Rede D’Or.

No ano passado, os vencedores foram cientistas pioneiros nos estudos dos mecanismos moleculare­s por trás do ritmo circadiano —ou relógio biológico— que funciona dentro das células.

Os vencedores dividirão o prêmio de 9 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 4,1 milhões). O dinheiro vem de um fundo de quase 4,5 bilhões de coroas suecas (em valores atuais) deixado pelo patrono do prêmio, Alfred Nobel (18331896), inventor da dinamite. Os prêmios são distribuíd­os desde 1901. Além do valor em dinheiro, o laureado recebe uma medalha e um diploma.

A escolha do vencedor é realizada por um grupo de 50 pesquisado­res ligados ao Instituto Karolinska, na Suécia, escolhido por Alfred Nobel em seu testamento para eleger aquele que tenha feito notáveis contribuiç­ões ao futuro da humanidade.

Nesta terça (2) e na quarta (3) serão anunciados, respectiva­mente, os prêmios nas áreas de física e de química. Os dois são distribuíd­os pela Academia Real Sueca de Ciências.

O Nobel da Paz, dado por um comitê escolhido pelo Parlamento Norueguês será anunciado na sexta (5); o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, apelidado como Nobel de Economia, será anunciado na próxima segunda (8) e também fica a cargo da Academia Real Sueca de Ciências.

Quanto ao prêmio de literatura de 2018, após uma série de denúncias e escândalos, a Academia Sueca anunciou que a entrega foi cancelada. A cerimônia de 2019 também corre o risco de ser cancelada após denúncias de abuso sexual de uma pessoa ligada à Academia Sueca.

“A esperança é que os remédios já gerados baseados nessas descoberta­s sejam usados em cada vez mais pacientes com câncer, trazendo a chance de cura para muitos deles

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O médico japonês Tasuku Honjo
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Reuters O imunologis­ta americano James P. Allison

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