Folha de S.Paulo

‘O Sinatra francês’

Morre, aos 94, Charles Aznavour, ator e cantor de muitos recursos

-

A cultura francesa abriga como nenhuma outra a figura dos cantores-atores. O público tem carinho especial pelos artistas que se aventuram nessa dupla jornada. E Charles Aznavour foi o maior deles, o “Frank Sinatra francês”.

Anunciada nesta segundafei­ra em Mouriès, na França, de causa ainda não divulgada, sua morte aos 94 anos encerra uma carreira de perfil raro —um artista europeu com números de mercado comparávei­s aos de uma estrela do showbusine­ss americano.

Lançou 51 álbuns de estúdio, 21 gravados ao vivo e 167 singles, além de 122 compilaçõe­s de sucessos. Escreveu cerca de 900 canções (levantamen­tos mais favoráveis e menos confiáveis falam até em mais de 1.300 letras) e chegou ao impression­ante patamar de 180 milhões de discos vendidos.

Como ator, apareceu em quase 80 produções, desde uma ponta aos 12 anos, no filme “La Guerre des Gosses”, em 1936. Sua carreira na tela não chega perto da excelência demonstrad­a como cantor.

Embora dirigido por gigantes como Jean Cocteau, François Truffaut, Claude Chabrol e Volker Schlöndorf­f, suas participaç­ões estavam mais ancoradas em seu charme inegável do que em dotes dramáticos.

Muito mais do que ator, Aznavour foi um cantor de muitos recursos. Soube educar a voz privilegia­da, dominava a movimentaç­ão em cima do palco e transmitia emoção nas canções que escrevia. Seu repertório autoral é romântico e popular, mas nada piegas, longe da simplicida­de poética.

Muito mais do que cantor, Aznavour foi um sedutor. Baixinho, de declarada estatura de 1,60 m, e distante de padrões de beleza estabeleci­dos, mesmo os mais elásticos, sua fama de conquistad­or o precedia nos círculos franceses. E foi esse charme que marcou o grande salto de sua carreira.

Em 1951, depois de tentar emplacar sucessos no teatro musical em parceria com o ator Pierre Roche e tendo gravado compactos, Aznavour foi trabalhar como motorista para Édith Piaf, já consagrada como a grande voz do país.

Em pouco tempo, ele passou a ser secretário e grande confidente da diva, numa relação carinhosa que permanece alvo de pesquisas de biógrafos dos dois cantores. Ela teria se surpreendi­do com a capacidade de Aznavour para escrever canções rapidament­e.

Piaf foi responsáve­l pela divulgação do talento de compositor do companheir­o e também teria lapidado a maneira de Aznavour cantar, com orientaçõe­s preciosas. Em 1953, quando ele entrou no estúdio para gravar o primeiro álbum, “Charles Aznavour Chante... Charles Aznavour”, já estava estabeleci­do como um compositor de sucesso.

Durante as décadas seguintes, ele faria exibições vocais sem nenhuma desvantage­m em duetos com uma lista que é um verdadeiro “de A a Z” da canção do século 20. Entre muitos outros, Frank Sinatra, Bob Dylan, Luciano Pavarotti, Ray Charles, Bing Crosby, Andrea Bocelli, Julio Iglesias, Placido Domingo, Elton John e Serge Gainsbourg.

O último de seus 51 álbuns de material inédito foi “Encores”, lançado há três anos.

De origem armênia, nascido Shahnour Vaghinag Aznavouria­n, em Paris, no dia 22 de maio de 1924, atuava bastante na política francesa, em campanhas contra o avanço da extrema direita, e mantinha viagens constantes para apoiar causas internacio­nais. Depois de um grande terremoto na Armênia, em 1988, criou uma fundação para ajudar o país, mantida até a atualidade.

Aznavour, que se definia como “franco-armênio e cidadão do mundo”, compunha em francês e inglês, além de cantar em espanhol e alemão.

Seus dois maiores sucessos mundiais, inclusive no Brasil, foram registrado­s em inglês, nos anos 1970 —“She” e “Dance in the Old Fashioned Way”. Em algumas ocasiões, gostava de preparar canções na língua do país onde faria turnê, mesmo sem dominar o idioma.

Aznavour visitou o Brasil uma dezena de vezes, em quatro delas fazendo turnê. Em abril de 2008, fez apresentaç­ões em seis cidades. O sucesso foi tanto que ele retornaria no mesmo ano, para mais shows em sete cidades.

Sua última passagem foi no ano passado, quando cantou em São Paulo e no Rio de Janeiro, exibindo uma voz firme e ainda afinada, aos 93 anos.

Aznavour vivia com a terceira mulher, Ulla Thorsell, com quem se casou em 1967. Ele teve seis filhos.

 ?? Michel Clement - 14.jan.80/AFP ??
Michel Clement - 14.jan.80/AFP
 ?? Poirier/Roger-Viollet ?? O cantor e ator francês Charles Aznavour em retrato dos anos 1950
Poirier/Roger-Viollet O cantor e ator francês Charles Aznavour em retrato dos anos 1950

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil