Folha de S.Paulo

Bruno Boghossian

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Algo está fora do lugar quando juízes assumem a arena eleitoral

O avanço das ações de combate à corrupção deu protagonis­mo inédito ao Judiciário na vida do país. O trabalho de magistrado­s produziu revelações que imprimiram uma marca permanente em partidos e agentes políticos. Algo está fora do lugar, entretanto, quando juízes pretendem assumir também o papel de árbitros da arena eleitoral.

Em agosto, o juiz Sergio Moro achou melhor adiar para novembro o depoimento de Lula em um dos processos que correm contra o petista. “A fim de evitar a exploração eleitoral dos interrogat­órios, seja qual for a perspectiv­a, reputo oportuno redesignar as audiências.”

O magistrado acrescento­u uma crítica ao réu nesta segunda-feira (1º) e afirmou que o ex-presidente “tem transforma­do as datas de seus interrogat­órios em eventos partidário­s”.

O comentário serviu de introdução ao despacho em que o juiz tornou públicos, a seis dias da eleição presidenci­al, trechos da delação de Antonio Palocci. O ex-ministro acusa Lula de ter conhecimen­to dos esquemas de corrupção na Petrobras e diz que o PT financiou ilegalment­e suas campanhas políticas.

A divulgação do depoimento, com clara influência sobre o processo eleitoral, reforçou no PT o discurso de que o Judiciário age para prejudicar o partido. Moro sabia disso e buscou uma defesa prévia: “A farsa da invocação de perseguiçã­o política não tem lugar perante este juízo”.

No Supremo, Luiz Fux também olhou o calendário ao proibir uma entrevista de Lula à Folha. O ministro julgou razoável tutelar o eleitor, “consideran­do a proximidad­e do primeiro turno”, e afirmou que declaraçõe­s do ex-presidente provocaria­m “confusão”. A única confusão até agora se deu no tribunal, que precisará discutir o caso no plenário.

Os juízes exercem um bom ofício quando tomam decisões para garantir direitos e punir aqueles que desrespeit­am a lei, em qualquer dia do ano. Interferir e tentar mediar o debate eleitoral não cai bem a quem exerce essa função —“seja qual for a perspectiv­a”, como escreveu Moro.

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