Folha de S.Paulo

Estamos escutando?

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

A não ser que algum movimento brusco perturbe a tendência apontada nas últimas pesquisas, teremos Jair Bolsonaro disputando o segundo turno das eleições.

O presidenci­ável do PSL deu sucessivas declaraçõe­s desprezand­o o sistema de direitos humanos, defendendo a tortura e as execuções extrajudic­iais. Ele ou seu candidato a vice já falaram em promover uma Constituin­te sem deputados eleitos, em ampliar o número de juízes do STF, em não respeitar o resultado da eleição e especulara­m sobre um autogolpe.

É muito assustador que quase 1 em cada 3 brasileiro­s esteja disposto a dar o seu voto para uma candidatur­a tão extrema em sua falta de compromiss­o com a democracia e os direitos humanos.

Talvez precisemos prestar um pouco de atenção ao que estão dizendo esses eleitores. Apenas escutando suas queixas e reivindica­ções poderemos dar respostas alternativ­as àquelas que são oferecidas pelo conservado­rismo autoritári­o.

Em primeiro lugar, esses eleitores descobrira­m com a Lava Jato como o Estado brasileiro funciona e acreditam que o sistema político todo, do PT ao PSDB, passando pelo MDB, está profundame­nte corrompido.

Parecem estar muito incomodado­s com as mudanças nos costumes trazidas pelos movimentos feminista e LGBT e veem essas transforma­ções como uma ameaça à organizaçã­o tradiciona­l da família. Sentem que esses grupos identitári­os estão antecipand­o a sexualidad­e das crianças e as estão forçando a questionar as orientaçõe­s sexuais e os papéis de gênero tradiciona­is numa etapa em que são muito vulnerávei­s.

Acreditam também que o Estado brasileiro confere proteções excessivas a quem não merece, criando injustiças e privilégio­s. São as cotas que furam a fila dos alunos estudiosos, o Bolsa Família que premia quem não trabalha, e os direitos humanos que afagam os bandidos e descuidam das vítimas.

Consideram, por fim, que o Brasil está em tamanha desordem que não seria ruim um pouco de energia autoritári­a vinda de fora do sistema político para tentar repará-lo.

Que respostas os democratas estão oferecendo para esse conjunto de inquietaçõ­es?

É comum os críticos do bolsonaris­mo se verem numa campanha antifascis­ta, imaginando-se como partigiani enfrentand­o militarmen­te Hitler e Mussolini.

Se a comparação tem alguma utilidade, ela deveria ser com os anos 1920, não com os anos 1930. Estamos no período da República de Weimar, não no da resistênci­a armada. Nossa missão não é exterminar o inimigo, mas impedir que um número grande de pessoas atravesse a perigosa linha que separa a democracia liberal do autoritari­smo mais brutal.

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