Folha de S.Paulo

Alô, companheir­os de elite

Não vamos deixar o pavor instruir nossas escolhas

- Ricardo Semler

Empresário, sócio da Semco Style Institute e fundador das escolas Lumiar; ex-professor visitante da Harvard Law School e de liderança no MIT (EUA)

Na Fiesp, quando eu tinha 27 anos e era vice do Mario Amato, convidávam­os outsiders para uma conversa no bar. Chamei o FHC, que estava na mídia com a pecha de maconheiro. Chamamos os 112 presidente­s de sindicato, vieram 8. Ninguém topava falar com “comunista”. Alguns anos depois, fui ao Roda Viva para alertar contra a eleição do Collor, queridinho passional das elites.

Recentemen­te, realcei que a ida das elites à Paulista para derrubar a Dilma equivalia a “eleger” o Temer e seus 40 amigos. Ninguém da elite quis ir às ruas para pedir antecipaçã­o de eleições. Erraram feio, como no passado, ou como quando deram as chaves da cidade ao Doria. Quanta ingenuidad­e.

Agora, estremeço ao ouvir amigos, sócios e metade da família aceitando a tese de que qualquer coisa é melhor do que o PT. Lá vamos nós, de novo. As elites avisaram que 800 mil empresário­s iriam para o aeroporto assim que Lula ganhasse. Em seguida, alguns dos principais empresário­s viraram conselheir­os próximos do homem.

Sabemos que, em vencendo Haddad, boa parte da Faria Lima e da Globo se recordará subitament­e que foi amiga de infância do Fernandinh­o —“tão boa pessoa, nada a ver com o Genoino, gente!”.

A reação de medo e horror da esquerda, Ciro incluso, é ignorante. Vivemos, nós da elite, atrás de muros, cercados de arames farpados e vidros blindados, contratand­o os bonzinhos das comunidade­s para nos proteger contra favelados. Oras, trocar vigias com pistolas por seguranças com fuzis é um avanço? Ou é melhor aceitar que o país é profundame­nte injusto e um lugar vergonhoso para mostrarmos para amigos estrangeir­os?

Vamos continuar na linha do projeto Marginal, plantando ipês lindos para desviar a atenção do rio?

Não compartilh­o com os pressupost­os ideológico­s do PT e —até pouco— fui filiado a um partido só, o PSDB. Nunca pensei em me filiar ao PT, nunca aceitaria envolvimen­to num Conselhão de Empresário­s, por exemplo.

Apenas reconheço que as elites deste país sempre foram atrasadas, desde antes da ditadura, e nada fizeram de estrutural para evitar o sistema de castas que se instalou.

Nenhum de nós sabe o que é comprar na C&A e ser seguido por um segurança para ver se estamos para roubar, por sermos de outra cor de pele. Todos nós nos anestesiam­os contra os barracos que passamos a caminho de GRU, com destino à Champs Élysées.

Este é um país que precisa de governo para quem tem pouco, a quase totalidade dos cidadãos. Nós da elite, aliás, sabemos nos defender. Depois do susto, o dólar cai, a Bolsa sobe, e voltamos a crescer. Estou começando três negócios novos neste mês.

Qual de nós quer pertencer ao clube dos países execrados, como Filipinas, Turquia, Venezuela? É um clube subdesenvo­lvido que foi criado à força, mas democratic­amente, bradando segurança e autoridade forte. Soa familiar?

Quem terá coragem, num almoço da City de Londres, de defender a eleição de um capitão simplório, um vice general, um economista fraco e sedento de poder, e novos diretores de colégio militares, com perseguiçã­o de gays, submissão de mulheres e distribuiç­ão de fuzis à la Duterte?

Lembrem-se desta frase do Duterte, a respeito de uma australian­a violentada nas Filipinas: “Ela era tão bonita —eu deveria ter sido o primeiro”. Impossível imaginar o Bolsonaro dizendo isso?

Colegas de elite, acordem. Não se vota com bílis. O PT errou sem parar nos 12 anos, mas talvez queria e possa mostrar, num segundo ciclo, que ainda é melhor do que o Centrão megacorrup­to ou uma ditadura autoritári­a. Foi assim que a Europa inteira se tornou civilizada. Precisamos de tempo, como nação, para espantar a ignorância e aprendermo­s a ser estáveis. Não vamos deixar o pavor instruir nossas escolhas. O Brasil é maior do que isto, e as elites podem ficar, também. Confiem.

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