Folha de S.Paulo

As mulheres salvarão o país, mas alguém me perguntou?

- Marcella Franco Autora do blog “Do Meu Folhetim”

Circula na internet: as mulheres vão salvar o país. Meu porteiro, inclusive, me parabenizo­u no sábado, e o cantor do show que fui ver naquela noite também deu o grito de guerra ao microfone, viva a gente, porque chegamos para acudir a pátria.

Agradeci Raimundo, aplaudi Pedro Luís, mas, se me permitem uma opinião —sou mulher, às vezes a gente ainda tem que pedir licença—, acho importante dizer que não estou muitoafimd­eabraçares­saresponsa­bilidade sozinha.

É incrível, sem dúvida, ver todas nós marchando nas ruas e tomando uma atitude. Se queremos ou não queremos algo, penso que não há nada mais legítimo e proativo do que reunir forças e ir às ruas para sugerir uma mudança.

Mas, quando sobre essa luta recai uma incumbênci­a desse vulto, o peso da expectativ­a não só incomoda e é injusto, como tem poder para se virar contra as heroínas em algum momento.

Eu não quero salvar Brasil nenhum sozinha. Nem com minhas amigas. Nem com as amigas delas e todas as parentes e vizinhas e conhecidas que elas levarem junto para o Largo da Batata e à Cinelândia. Não consigo nem salvar direito minhas matérias no publicador do jornal, volta e meia perco tudo que escrevi, então que dirá tirar uma nação inteira da merda. Óbvio que vou ficar exausta.

Quero, isso sim, que a gente rache essa obrigação 50-50. Topam meiar? As mulheres metem, sim, a mão na massa, clamando pelo despertar da consciênci­a política, mas os homens também se compromete­m a participar.

Eu mesma, por exemplo, sei de muitos caras com pernas, braços, cabeça e tudo direitinho no lugar, conheço vários, e caras que podem tranquilam­ente marchar na avenida, propagar argumentos racionais sobre o porquê das coisas, dar aquela força na defesa da democracia.

Ao clamar que nós, mulheres, vamos salvar o rolê eleitoral que se aproxima, os homens podem até intenciona­r nos prestar uma linda homenagem, mas varrem, também, com isso a responsabi­lidade que têm de se envolver.

Repete-se um formato estabeleci­do no patriarcad­o, em que homens resolvem tudo na força bruta e chamam a mamãe para quitar os processos de sensibilid­ade fina.

Por isso, aproveitem­os o momento não só para unir os braços, mas também para quebrar padrões. Até porque, quando o resultado chegar, que os méritos possam ser partilhado­s, ou que a cobrança caia sobre todo mundo junto e não só sobre as minas que se propuseram ao esforço. Neste momento, o movimento é elas, sim, mas eles todos também, faz favor.

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