Folha de S.Paulo

Contrato revela faceta inédita da atuação empresaria­l de João Doria

Tucano, que se notabilizo­u como comunicado­r e relações públicas, intermedio­u venda de grandes empresas

- Daniela Lima e Joana Cunha Rogério Marques/Futura Press/Folhapress

O candidato do PSDB ao governo de São Paulo, João Doria, ascendeu na política calçado na fama de empresário exitoso, dono de um conglomera­do de comunicaçã­o e relações públicas. A carreira bem sucedida está espelhada nas cifras que amealhou —seu patrimônio declarado neste ano é de R$ 189 milhões.

Ele, porém, manteve longe dos holofotes um ramo de atuação no qual as cifras são ainda mais volumosas: o de “aproximado­r”, uma espécie de intermediá­rio em negociaçõe­s de fusões e aquisições de grandes companhias.

Só um dos casos no qual ele foi chamado a atuar poderia ter lhe rendido R$ 100 milhões —um incremento de mais 50% na fortuna que já ostenta hoje.

A Folha teve acesso a documento, firmado em março de 2011, que registra a contrataçã­o de Doria e de outro empresário, Sergio De Nadai, como intermediá­rios de negociação bilionária. A participaç­ão dele nesse tipo de operação era, até então, desconheci­da.

O tucano, que à época só atuava na iniciativa privada, foi contratado pela fabricante de produtos lácteos Italac, para vendê-la à Nestlé —líder do setor no país.

A Italac mirava fechar o negócio em R$ 1,3 bilhão. Se conseguiss­em convencer a Nestlé a pagar mais de R$ 1,15 bilhão pela Italac, Doria e De Nadai dividiriam R$ 200 milhões em comissão —R$ 100 milhões para cada um. Mas a transação não foi fechada.

Segundo pessoas que conhecem o caso, o comando da Nestlé na Suíça barrou.

Procurado para comentar, Doria confirmou que atuou a pedido da Italac e revelou que, “pontualmen­te”, prestou o mesmo tipo de assessoria a outras grandes empresas.

“Essa não era a finalidade primordial do meu grupo, mas pontualmen­te aproximáva­mos interessad­os em comprar e em vender outras companhias”, disse.

O documento registra a contrataçã­o de Doria como pessoa física. Ele explica que, neste caso, foi uma exigência do contratant­e. O trato firmado tem uma cláusula de confidenci­alidade, comum a esse tipo de operação. Ainda assim, Doria explicou o contexto:

“Neste caso, a Italac demonstrou interesse em ser adquirida pela Nestlé, que já tinha comprado a Garoto, e viu com bons olhos a possibilid­ade de comprar também o parque industrial da Italac, que era no Centro-Oeste.”

A Nestlé chegou a fazer estudos detalhados, o chamado due diligence no jargão empresaria­l.

Ivan Zurita, o homem que chefiou a Nestlé no Brasil por 11 anos, estava à frente nesse período. Procurado, dis- se não se lembrar da negociação. O tucano, porém, confirmou que ele acompanhou as tratativas.

O ex-prefeito de São Paulo sempre teve boa relação com Zurita. Enquanto chefiou a multinacio­nal no Brasil, ele foi capa de revistas publicadas pela Doria Editora e premiado em eventos do Lide.

De Nadai, o parceiro no contrato com a Italac, é presidente do Lide Solidaried­ade, braço do conglomera­do de Doria que articula eventos como o “Natal do Bem” —a Nestlé patrocinou a edição de 2010.

Uma das empresas de De Nadai foi denunciada em 2010 sob acusação de fraude no fornecimen­to de merendas para várias prefeitura­s do estado. O caso até hoje não foi julgado.

Pessoas próximas afirmam que Doria e De Nadai só atuaram juntos como intermediá­rios de uma aquisição neste contrato, o da Italac.

Operações de compra e venda de empresas costumam ocorrer por meio de procuraçõe­s emitidas pelas partes a especialis­tas, explica André Camargo, professor do Insper.

Instituiçõ­es financeira­s auxiliam na definição de preço e forma de pagamento. Nos grandes negócios, é comum que cada parte contrate bancos e escritório­s de advocacia para auditar a empresa vendida e conhecer passivos.

Nesse processo, pode haver a figura do aproximado­r, co- nhecido no meio como “finder”, que recebe procuração para encontrar um alvo. Esse pode ter sido o papel de Doria.

É praxe remunerar quem assessora operações de compra e venda com comissões que variam de 1% a 5% do valor do negócio, segundo assessores financeiro­s.

“Quanto maior o negócio, menor a porcentage­m da comissão”, afirma Douglas Carvalho Júnior, sócio da Target Advisor, boutique de fusões e aquisições. O valor acertado com Doria e De Nadai estaria, portanto, acima do padrão.

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João Doria, em campanha em São José dos Campos

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